Antes de mais nada, quero deixar claro que este texto não é fruto de alguém que não curte mais Metal, pelo contrário: minha paixão pelo estilo ainda é a mesma. A única diferença é que o tempo passou e sinceramente me preocupo com que o futuro reserva para o estilo musical mais fantástico desse planeta. Tampouco também sou um saudosista inveterado, pois mesmo com o passado sendo maravilhoso, a busca por novidades é vital para a renovação e evolução musical de cada um.
Com 25 anos de Metal pesado na bagagem, não é raro eu me ver pensando em como o Rock Pesado mudou nesses anos todos. As novidades, os clássicos, os fracassos, as decepções, as surpresas, enfim, todos os altos e baixos que o estilo teve, tem e provavelmente terá no futuro. Mas esta é a real razão dos meus pensamentos mais profundos: se o estilo passou por tanta coisa enquanto se desenvolvia e consolidava, o que o destino reserva para ele agora que se encontra estabilizado, definitivamente estabelecido como um grande negócio e com um grande público? Como ficará depois que a geração atual – que sedimentou a base dos anos 80 para cá, for embora, deixando um cenário onde não há mais espaço para muita novidade? Será a nova geração capaz de reinventar o estilo? Questões como essa bombardeiam minha mente no momento em que muitas das novas bandas não conseguem mais chamar minha atenção, uma vez que o que se tem é mais do mesmo, sem nada de novo. Ou, fazendo uma analogia culinária, que apresente a comida requentada, mas pelo menos saborosa.
Quem se encontra na faixa dos 40 anos, como eu, já deve ter
entendido muito bem o espírito contido no início deste texto. A diferença do cenário de 1983 e o de hoje
não se mede apenas pela quantidade de anos que se foram, mas por toda uma
cultura que mudou de forma drástica, afetando seriamente os rumos do estilo. Cito
um ponto pelo exemplo contido na biografia “O Reino Sangrento do Slayer” (Mclver,
Joel - 288 páginas, Edições Ideal), onde, em diversos momentos, encontramos
referências ao “Tape Trading”, largamente praticado naquela época, e que nada
mais era a troca de fitas K7 com demo tapes, bootlegs ou lançamentos oficiais, e
que os fãs faziam entre si com fins de
aumentar o arsenal de discos e de conhecimento de bandas. Em tempos sem
Internet, era isto que conectava fãs e, por incrível que pareça, mantinha uma
cena (underground, é claro) unida e forte, tendo sido a base de sucesso de muitas
bandas grandes hoje. Imagine um mundo sem sites das bandas, “Youtubes” ou “Myspaces”,
onde você só podia obter informações e as novidades pela troca de fitas, pelos
fanzines e, é claro pelos shows. E em maior ou menor escala isso aconteceu em vários
lugares do mundo, inclusive aqui no Brasil. Rio de janeiro, São Paulo e Minas
foram os centros catalisadores de um movimento que gerou grandes bandas, sendo
a principal delas o finado Sepultura (desculpem a ironia e o trocadilho,
mas...). Esperar um colega comprar um importado e depois copiar em fitas K7 até
dizer chega era algo comum na época, onde até algumas lojas faziam isso(!) por
um valor mais em conta. Em resumo, era uma época em que as coisas eram muito
mais difíceis, demandavam muito mais esforço, mas contava com a paixão e o
envolvimento de quem tinha amor pelo estilo e queria ver a coisa acontecer.
Passado o tempo, o reconhecimento veio e alguns nomes
transpuseram a barreira comercial imposta pelo “mainstream”, onde o lixo pop
imperava e o Metal era considerado coisa de vagabundo. Em seguida, veio a
Internet e, na minha opinião, foi aí que a coisa ao mesmo tempo teve um impulso
muito grande, mas também teve fim... O advento da tecnologia, com o passar do
tempo, obviamente foi positivo: equipamentos melhores, melhores estúdios,
melhores profissionais e etc.. Estes foram fatores que aumentaram o nível
qualitativo das bandas, somando-se ao próprio talento delas e sua evolução musical.
Com a Internet, a divulgação das bandas se tornou mais fácil, mais rápida,
independente do lugar do mundo onde se estivesse. As novidades chegavam quase
que instantaneamente para todos e os fanzines de outrora deram lugar a sites
especializados; as fitas K7, soberanas durante anos deram lugar a sites onde
áudio e vídeo podiam ser divulgados livremente; o vinil, alvo das coleções dos
headbangers no mundo todo deu lugar ao
CD, que depois deu lugar ao MP3, que trouxe de bandeja a pirataria, onde a
música não tinha mais dono. Até mesmo as
gravadoras, entidades máximas e supremas do meio musical, sucumbiram diante da
fúria da revolução da Internet.
Mas onde entram as pessoas nessa história toda? O que houve
com aqueles fãs ardorosos que mantinham a cena lá no início? Simplesmente se
adaptaram, como este que vos escreve. O romantismo de uma cena embrionária deu
lugar a algo profissional e sofisticado, que facilitou a vida de todo mundo e
este talvez tenha sido a derrocada de um estilo que sempre foi caracterizado pela
sua paixão. Deixo claro que não estou dizendo que o fã de Metal hoje não tenha
paixão, não se trata disso: o que estou dizendo é que hoje tudo é muito fácil,
e essa facilidade gera quantidade, que não é sinônimo de qualidade. Também não
estou dizendo que o mundo era melhor quando tudo era mais difícil, mas que hoje
não há mais o impacto do passado, isso não há. Como exemplo, me lembro até hoje de como conheci o Slayer: um amigo me levou a um
Shopping (Rio Sul, construído em 1980) e fomos a uma loja de discos, onde
ouvimos juntos, em uma cabine (!), um vinil pirata do “Show No Mercy”. A capa
era tosca, preta, com a logo e o bode reduzidos no centro, a contra capa era sem
fotos, somente com o nome das músicas. O disco não tinha selo nenhum e hoje,
com certeza, é item de colecionador. Só me lembro que era caro e umas poucas
cópias circularam por aqui. Hoje, você entra na Internet, baixa o disco, capa,
contracapa, encarte e tudo mais em questão de segundos. Qualquer adolescente
que se torne um headbanger hoje pode, em questão de dias ter a mesma coleção
que levei anos para juntar. Repito: não é despeito pela facilidade, mas a luta
para conseguir algo trazia embutido um grande valor pessoal, ausente dos velozes
downloads de hoje. O mesmo se aplica as bandas: hoje é fácil ter um
instrumento, é fácil gravar, ter CD na mão e divulgar: é nessa hora que a
qualidade cai e a quantidade aumenta, e daí voltamos ao que disse no início
desse texto. Ouço muita coisa nova, mas nada que seja capaz de me encantar como
acontecia no passado. Pessoalmente, desde o Slayer, a única banda que foi capaz
de me deixar embasbacado foi o Dimmu Borgir, que se mostrou uma puta novidade
com aquele Black Metal Sinfônico – e olha que não sou fã de Black Metal –
extremamente técnico e soturno, fruto do uso inteligente dos teclados, algo não
habitual até então neste tipo de som.
É óbvio que o próprio esgotamento do estilo chegaria em
algum momento (desculpem-me os puristas, mas o que falta se inventar no Metal?)
e aí entraríamos num ciclo de repetição até que algum novo talento apareça e
seja a tábua de salvação do estilo. Para se ter uma ideia, basta pensar no
seguinte: bandas como Slayer, Megadeth, Metallica, Anthrax, Exodus, Iron
Maiden, Motorhead, AC/DC, Saxon, Overkill, Kiss, Destruction, Sodom, Accept, Kreator,
Rush e muitas outras estão na ativa há 25, 30 anos e, mais cedo ou mais tarde,
vão parar. Agora, quais são os nomes mais novos, de mesmo porte, que estarão em
seu lugar? Particularmente, não consigo
visualizar nomes a altura para representar uma continuidade. Ou melhor dizendo, alguma conseguirá
revolucionar a cena como os nomes citados o fizeram, cada um do seu modo? Essa “recessão”
fica ainda mais comprovada pelo saudosismo que se levanta de vem em quando, tendo
hoje como figura o revival do Thrash, com as bandas da Bay Area (ainda) em alta
e outras tantas simplesmente copiando descaradamente - até no visual - o que se
fez milhares de vezes naquela época. Há alguns anos atrás, o Death Metal foi a
bola da vez, com uma banda atrás da outra adotando o estilo, numa onda que veio
e passou.
Entendam, não estou dizendo que o Metal vai morrer, mas não
sei dizer os rumos que ele vai tomar sem o espírito guerreiro que tinha no
início. A geração de hoje encontra um cenário mundial diferente e não há como
prever como ela vai escolher mostrar ao mundo sua revolta contra o sistema: se
empunhando uma guitarra ou se atrás de um computador.
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