quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Os Mortos se Levantam



Mais um defunto resolve se levantar da tumba: Motley Crue. Depois de 4 anos da faraônica tour de despedida, com direito inclusive a um documentário mostrando a derradeira apresentação da banda em 04 de Dezembro de 2015, os caras resolveram voltar. A justificativa? O sucesso do filme da Netflix “The Dirt”, onde a história da banda é mostrada (não toda, diga-se de passagem), gerou uma repercussão que trouxe uma nova leva de fãs para a banda. Com isso, os quatro quebraram o contrato firmado entre eles mesmos onde sacramentaram o fim da banda, e decidiram voltar.


Podemos fazer duas reflexões sobre esta notícia: a primeira é que é lamentável como esta tem se tornado uma jogada de Marketing corriqueira, que visa tão somente arrancar dinheiro dos fãs, dado o desespero que se instala ao tentar ver seus ídolos pela última vez. Observando a lei da oferta e da procura, não é difícil imaginar a exploração imposta aos fãs nestes casos: a oferta de um punhado de shows, com um mundo inteiro querendo ver, só podendo resultar em ingressos caríssimos, que no fim das contas geram milhões para a banda. Não é preciso ir muito longe, bastando ver quanto o KISS têm faturado nesta sua (olha isso) segunda tour de despedida. No caso do Motley Crue, os caras foram até mais longe na encenação, assinando um contrato que impedia uma volta sem algum dos quatro – obviamente evitando que alguém fosse substituído e não faturasse também – o que foi devidamente respeitado, com os quatro oficializando um retorno à ativa da formação original e clássica da banda.


Daí, fazemos a segunda reflexão: no caso do Motley Crue, há razão para celebrar esta volta? Qualquer um, com um mínimo de bom senso e que viu a situação da banda antes de parar, dirá que não. Se há quatro anos atrás o show da banda já era ruim, imagina agora com os músicos parados por quatro anos... Um jogador de futebol ruim que pára por tanto tempo, que não treina, tem chance de voltar melhor? Com certeza não, e o Motley Crue ainda tem outro agravante nesta situação, o guitarrista Mick Mars. Mick sofre de Espondilite Anquilosante, doença inflamatória que afeta principalmente as articulações da coluna vertebral, o que torna cada vez mais difícil o ato de tocar guitarra e se manter em pé um set inteiro. Até mesmo a capacidade de tocar guitarra de Mars foi muito questionada até a hora da banda parar, uma vez que ficou cada vez mais evidente o uso de bases pré gravadas pelo músico. Aliás, não só por ele, pois a banda como um todo, em maior ou menor grau, aparentava estar se utilizando deste recurso. A situação de Mars hoje é uma incógnita, se houve alguma melhora ou se o estado do músico vai permitir apenas um playback escancarado.


Ainda nessa linha, outra preocupação para a banda deve ser o vocalista Vince Neil, que antes do MC parar, já estava absolutamente fora de forma, com muitos quilos a mais e com capacidade vocal de menos. Quem viu o show da banda no Rock in Rio em 2015 viu a primeira e única apresentação da banda em solo brasileiro, e teve a oportunidade também de ver o quão ruim Vince Neil estava ao vivo. Detalhe: nem quando novo Neil era grande vocalista, entretanto, tal qual Stephen Pearcy no Ratt, os vocais de ambos, mesmo ruins, se encaixavam como uma luva no estilo Hard Rock fanfarrão de suas respectivas bandas – ainda que o Ratt fosse muito mais técnico que o Motley Crue.

Para fechar o raciocínio, fica a pergunta: o Motley Crue ainda é efetivamente relevante, a ponto de um simples filme biográfico ser suficiente para manter show lotados em 2020, na possível tour que ocorrerá com Poison e Def Leppard como parceiros? Mesmo levando em conta que separados cada integrante tem muito menos chance de fazer outra coisa que dê tanta visibilidade quanto Motley Crue - o que de certo modo justificaria essa vontade de ressuscitar a banda – a conta não fecha tão facilmente. O som praticado pela banda e o consequente sucesso obtido ficaram presos lá nos anos 80, com uma descendente gradual a partir dos anos 90 e que culmina hoje num estilo que praticamente inexiste, ou pelo menos a gigantesca cena musical originada na Sunset Boulevard, de onde o Motley e outros nomes icônicos do Glam Metal surgiram. Mais um agravante é a expectativa de que essa turnê só toque em estádios ou grandes arenas. O detalhe é que só para pagar o cachê das bandas em questão serão necessários $ 3,5 milhões de dólares (pois é...) o que demanda que essa tour, antes de começar, já seja um sucesso, Será necessário que muita, mas muita gente mesmo compre ingresso para pagar o simples ato dos caras botarem o pé no palco, isso sem contar toda a estrutura necessária. Voltemos apenas algumas linhas acima: o sucesso estrondoso ficou preso lá nos anos 80...


Apostar que há uma geração “nova” chegando por conta do filme da Netflix e que ela vai dar sustentabilidade a uma nova encarnação da banda é algo arriscado. Só se garantir nos fãs antigos já seria, que dirá nisso: apenas bandas antigas com o porte de um KISS ou Rolling Stones tem esse apelo, coisa que o MC definitivamente não tem. Para fechar, apenas uma curiosidade: Eddie Trunk, do extinto That Metal Show do VH1, ao entrevistar Mick Mars pouco tempo antes do fim da banda, teve de ouvir essa ao questionar se havia alguma chance da banda voltar após seu término: "Deixe-me colocar desta maneira: se isso acontecer, convidarei o mundo a vir de graça." Obviamente ele já veio a público e desconversou essa declaração. Mas bem diz o ditado: “O peixe morre pela boca”...

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