Mais um defunto resolve se levantar da tumba: Motley Crue.
Depois de 4 anos da faraônica tour de despedida, com direito inclusive a um
documentário mostrando a derradeira apresentação da banda em 04 de Dezembro de
2015, os caras resolveram voltar. A justificativa? O sucesso do filme da
Netflix “The Dirt”, onde a história da banda é mostrada (não toda, diga-se de
passagem), gerou uma repercussão que trouxe uma nova leva de fãs para a banda.
Com isso, os quatro quebraram o contrato firmado entre eles mesmos onde
sacramentaram o fim da banda, e decidiram voltar.
Podemos fazer duas reflexões sobre esta notícia: a primeira
é que é lamentável como esta tem se tornado uma jogada de Marketing
corriqueira, que visa tão somente arrancar dinheiro dos fãs, dado o desespero
que se instala ao tentar ver seus ídolos pela última vez. Observando a lei da
oferta e da procura, não é difícil imaginar a exploração imposta aos fãs nestes
casos: a oferta de um punhado de shows, com um mundo inteiro querendo ver, só
podendo resultar em ingressos caríssimos, que no fim das contas geram milhões
para a banda. Não é preciso ir muito longe, bastando ver quanto o KISS têm
faturado nesta sua (olha isso) segunda tour de despedida. No caso do Motley
Crue, os caras foram até mais longe na encenação, assinando um contrato que
impedia uma volta sem algum dos quatro – obviamente evitando que alguém fosse
substituído e não faturasse também – o que foi devidamente respeitado, com os
quatro oficializando um retorno à ativa da formação original e clássica da
banda.
Daí, fazemos a segunda reflexão: no caso do Motley Crue, há
razão para celebrar esta volta? Qualquer um, com um mínimo de bom senso e que
viu a situação da banda antes de parar, dirá que não. Se há quatro anos atrás o
show da banda já era ruim, imagina agora com os músicos parados por quatro
anos... Um jogador de futebol ruim que pára por tanto tempo, que não treina,
tem chance de voltar melhor? Com certeza não, e o Motley Crue ainda tem outro
agravante nesta situação, o guitarrista Mick Mars. Mick sofre de Espondilite
Anquilosante, doença inflamatória que afeta principalmente as articulações da
coluna vertebral, o que torna cada vez mais difícil o ato de tocar guitarra e
se manter em pé um set inteiro. Até mesmo a capacidade de tocar guitarra de
Mars foi muito questionada até a hora da banda parar, uma vez que ficou cada
vez mais evidente o uso de bases pré gravadas pelo músico. Aliás, não só por
ele, pois a banda como um todo, em maior ou menor grau, aparentava estar se
utilizando deste recurso. A situação de Mars hoje é uma incógnita, se houve
alguma melhora ou se o estado do músico vai permitir apenas um playback
escancarado.
Ainda nessa linha, outra preocupação para a banda deve ser o
vocalista Vince Neil, que antes do MC parar, já estava absolutamente fora de
forma, com muitos quilos a mais e com capacidade vocal de menos. Quem viu o
show da banda no Rock in Rio em 2015 viu a primeira e única apresentação da
banda em solo brasileiro, e teve a oportunidade também de ver o quão ruim Vince
Neil estava ao vivo. Detalhe: nem quando novo Neil era grande vocalista, entretanto,
tal qual Stephen Pearcy no Ratt, os vocais de ambos, mesmo ruins, se encaixavam
como uma luva no estilo Hard Rock fanfarrão de suas respectivas bandas – ainda
que o Ratt fosse muito mais técnico que o Motley Crue.
Para fechar o raciocínio, fica a pergunta: o Motley Crue
ainda é efetivamente relevante, a ponto de um simples filme biográfico ser suficiente
para manter show lotados em 2020, na possível tour que ocorrerá com Poison e
Def Leppard como parceiros? Mesmo levando em conta que separados cada
integrante tem muito menos chance de fazer outra coisa que dê tanta
visibilidade quanto Motley Crue - o que de certo modo justificaria essa vontade
de ressuscitar a banda – a conta não fecha tão facilmente. O som praticado pela
banda e o consequente sucesso obtido ficaram presos lá nos anos 80, com uma
descendente gradual a partir dos anos 90 e que culmina hoje num estilo que
praticamente inexiste, ou pelo menos a gigantesca cena musical originada na
Sunset Boulevard, de onde o Motley e outros nomes icônicos do Glam Metal surgiram.
Mais um agravante é a expectativa de que essa turnê só toque em estádios ou
grandes arenas. O detalhe é que só para pagar o cachê das bandas em questão
serão necessários $ 3,5 milhões de dólares (pois é...) o que demanda que essa
tour, antes de começar, já seja um sucesso, Será necessário que muita, mas
muita gente mesmo compre ingresso para pagar o simples ato dos caras botarem o
pé no palco, isso sem contar toda a estrutura necessária. Voltemos apenas
algumas linhas acima: o sucesso estrondoso ficou preso lá nos anos 80...
Apostar que há uma geração “nova” chegando por conta do
filme da Netflix e que ela vai dar sustentabilidade a uma nova encarnação da
banda é algo arriscado. Só se garantir nos fãs antigos já seria, que dirá
nisso: apenas bandas antigas com o porte de um KISS ou Rolling Stones tem esse
apelo, coisa que o MC definitivamente não tem. Para fechar, apenas uma
curiosidade: Eddie Trunk, do extinto That Metal Show do VH1, ao entrevistar
Mick Mars pouco tempo antes do fim da banda, teve de ouvir essa ao questionar
se havia alguma chance da banda voltar após seu término: "Deixe-me colocar
desta maneira: se isso acontecer, convidarei o mundo a vir de graça." Obviamente
ele já veio a público e desconversou essa declaração. Mas bem diz o ditado: “O
peixe morre pela boca”...
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