quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Os Mortos se Levantam



Mais um defunto resolve se levantar da tumba: Motley Crue. Depois de 4 anos da faraônica tour de despedida, com direito inclusive a um documentário mostrando a derradeira apresentação da banda em 04 de Dezembro de 2015, os caras resolveram voltar. A justificativa? O sucesso do filme da Netflix “The Dirt”, onde a história da banda é mostrada (não toda, diga-se de passagem), gerou uma repercussão que trouxe uma nova leva de fãs para a banda. Com isso, os quatro quebraram o contrato firmado entre eles mesmos onde sacramentaram o fim da banda, e decidiram voltar.


Podemos fazer duas reflexões sobre esta notícia: a primeira é que é lamentável como esta tem se tornado uma jogada de Marketing corriqueira, que visa tão somente arrancar dinheiro dos fãs, dado o desespero que se instala ao tentar ver seus ídolos pela última vez. Observando a lei da oferta e da procura, não é difícil imaginar a exploração imposta aos fãs nestes casos: a oferta de um punhado de shows, com um mundo inteiro querendo ver, só podendo resultar em ingressos caríssimos, que no fim das contas geram milhões para a banda. Não é preciso ir muito longe, bastando ver quanto o KISS têm faturado nesta sua (olha isso) segunda tour de despedida. No caso do Motley Crue, os caras foram até mais longe na encenação, assinando um contrato que impedia uma volta sem algum dos quatro – obviamente evitando que alguém fosse substituído e não faturasse também – o que foi devidamente respeitado, com os quatro oficializando um retorno à ativa da formação original e clássica da banda.


Daí, fazemos a segunda reflexão: no caso do Motley Crue, há razão para celebrar esta volta? Qualquer um, com um mínimo de bom senso e que viu a situação da banda antes de parar, dirá que não. Se há quatro anos atrás o show da banda já era ruim, imagina agora com os músicos parados por quatro anos... Um jogador de futebol ruim que pára por tanto tempo, que não treina, tem chance de voltar melhor? Com certeza não, e o Motley Crue ainda tem outro agravante nesta situação, o guitarrista Mick Mars. Mick sofre de Espondilite Anquilosante, doença inflamatória que afeta principalmente as articulações da coluna vertebral, o que torna cada vez mais difícil o ato de tocar guitarra e se manter em pé um set inteiro. Até mesmo a capacidade de tocar guitarra de Mars foi muito questionada até a hora da banda parar, uma vez que ficou cada vez mais evidente o uso de bases pré gravadas pelo músico. Aliás, não só por ele, pois a banda como um todo, em maior ou menor grau, aparentava estar se utilizando deste recurso. A situação de Mars hoje é uma incógnita, se houve alguma melhora ou se o estado do músico vai permitir apenas um playback escancarado.


Ainda nessa linha, outra preocupação para a banda deve ser o vocalista Vince Neil, que antes do MC parar, já estava absolutamente fora de forma, com muitos quilos a mais e com capacidade vocal de menos. Quem viu o show da banda no Rock in Rio em 2015 viu a primeira e única apresentação da banda em solo brasileiro, e teve a oportunidade também de ver o quão ruim Vince Neil estava ao vivo. Detalhe: nem quando novo Neil era grande vocalista, entretanto, tal qual Stephen Pearcy no Ratt, os vocais de ambos, mesmo ruins, se encaixavam como uma luva no estilo Hard Rock fanfarrão de suas respectivas bandas – ainda que o Ratt fosse muito mais técnico que o Motley Crue.

Para fechar o raciocínio, fica a pergunta: o Motley Crue ainda é efetivamente relevante, a ponto de um simples filme biográfico ser suficiente para manter show lotados em 2020, na possível tour que ocorrerá com Poison e Def Leppard como parceiros? Mesmo levando em conta que separados cada integrante tem muito menos chance de fazer outra coisa que dê tanta visibilidade quanto Motley Crue - o que de certo modo justificaria essa vontade de ressuscitar a banda – a conta não fecha tão facilmente. O som praticado pela banda e o consequente sucesso obtido ficaram presos lá nos anos 80, com uma descendente gradual a partir dos anos 90 e que culmina hoje num estilo que praticamente inexiste, ou pelo menos a gigantesca cena musical originada na Sunset Boulevard, de onde o Motley e outros nomes icônicos do Glam Metal surgiram. Mais um agravante é a expectativa de que essa turnê só toque em estádios ou grandes arenas. O detalhe é que só para pagar o cachê das bandas em questão serão necessários $ 3,5 milhões de dólares (pois é...) o que demanda que essa tour, antes de começar, já seja um sucesso, Será necessário que muita, mas muita gente mesmo compre ingresso para pagar o simples ato dos caras botarem o pé no palco, isso sem contar toda a estrutura necessária. Voltemos apenas algumas linhas acima: o sucesso estrondoso ficou preso lá nos anos 80...


Apostar que há uma geração “nova” chegando por conta do filme da Netflix e que ela vai dar sustentabilidade a uma nova encarnação da banda é algo arriscado. Só se garantir nos fãs antigos já seria, que dirá nisso: apenas bandas antigas com o porte de um KISS ou Rolling Stones tem esse apelo, coisa que o MC definitivamente não tem. Para fechar, apenas uma curiosidade: Eddie Trunk, do extinto That Metal Show do VH1, ao entrevistar Mick Mars pouco tempo antes do fim da banda, teve de ouvir essa ao questionar se havia alguma chance da banda voltar após seu término: "Deixe-me colocar desta maneira: se isso acontecer, convidarei o mundo a vir de graça." Obviamente ele já veio a público e desconversou essa declaração. Mas bem diz o ditado: “O peixe morre pela boca”...

Rock in Rio 2019 - Metal Rules!


O Rock in Rio 2019 (cuja edição terminou há um porrilhão de tempo mas eu não postei este texto), pode facilmente ser classificado entre as piores, senão a pior edição de todas. Salvou-se apenas pelo dia do Metal, que conseguiu, mesmo com repetições de elenco, trazer a sensação de que se o festival não é exclusivamente de Rock, é nele que ainda reside o espírito do evento em si. A parte “não Metal” do festival desta vez se superou negativamente – e olha que curto pop e geralmente me divirto também vendo no RIR outros shows de artistas que nada têm haver com Heavy Metal -  mas desta vez foi muito difícil. A parte internacional ainda teve poucas gratas surpresas: H.E.R. foi a melhor, com fortes semelhanças com Alicia Keys; Seal, artista veterano e de muito talento que também não fez feio, e com boa vontade, a banda comédia do ator Jack Black (Tenacious D), que divertiu, embora tenha desnecessariamente ocupado o lugar de algo maior e melhor no palco Mundo. De resto, muito pouco se salvou, com a ala nacional se superando em ruindade. Até hoje não entendo o que fazem com Elza Soares, chegando a ser mórbido vê-la no palco naquelas condições. Mesmo que seja por vontade própria, não deixa de ser muito estranho. Outra esquisitice foi unir uma orquestra com funk, numa junção de doce de leite com jiló simplesmente absurda. Vale a pena deixar registrar o engodo da Anitta, que fez playback e pôs a culpa na dança, enquanto a cantora americana PINK foi lá, fez a mesmíssima coisa e levou tudo no gogó. Palmas novamente para o público brasileiro, que gosta de ser enganado e ainda aplaude.


Dentre o dia iluminado (?), tivemos muitas surpresas, até mesmo naquelas que não eram novidades no festival. O dia começou no placo Sunset com o trio Nervosa, que já é uma banda que vem se destacando muito na cena. O Thrash das meninas é nervoso (impossível não fazer este trocadilho!) e elas mandaram muito bem, com um som que mescla muito bem velocidade, cadência e muito, mas muito peso. O único porém do show delas é o excesso de caretas da vocalista e baixista Fernanda Lira: não sei se ainda é ansiedade (embora a banda já tenha estrada e experiência suficientes), mas a verdade é que chega uma hora em que fica muito caricato. Se ela trabalhar isso, o show delas ficará ainda mais brutal, pois carisma ela tem de sobra.

Na sequência, Torture Squad + Claustrofobia e o convidado Chuck Billy (Testament). Apesar da combinação brutal, particularmente acho essas que junções são desnecessárias. Se cada banda tivesse o seu set independente seria muito melhor, uma vez que ambas, nesse caso, nunca tocaram no RIR. Claro que ter Chuck Billly no palco foi sensacional, mas o Testament já esteve no Brasil outras vezes e ver um show completo dos americanos seria muito melhor do que apenas 3 músicas do vocalista com uma banda de apoio. Apesar disso, o show das bandas foi muito bom, com destaque para o Claustrofobia e o peso absurdo do seu som.


Trocando de palco, o Sepultura iniciou os trabalhos no palco Mundo. Confesso que não vi o show e obviamente não irei comenta-lo. Soube da execução de uma música nova do vindouro álbum “Quadra”, a ser lançado em fevereiro de 2020. Sinceramente, mesmo depois de inúmeras tentativas de gostar da banda com Derrick Green nos vocais, nunca o consegui. Os vocais dele são ruins em estúdio, são ruins ao vivo, piorando mais ainda nas músicas antigas. Claro que esta é minha opinião em particular e a banda ainda tem seus fãs, mas não foi por falta de esforço. O instrumental da banda melhorou muito de uns anos para cá, mas a parte vocal não funciona, pelo menos para mim.


Voltando ao Sunset, já com a noite chegando, os americanos do Anthrax entregaram uma performance simplesmente destruidora. Mostraram com folga que experiência e domínio de palco não se consegue da noite para o dia. Com um set list calcado nas músicas antigas, a banda teve o público na mão do início ao fim. Depois de ver o Whitesnake (falo deles mais a frente), confesso que estava um pouco preocupado com Joey Beladonna, uma vez que ele tem 59 anos e temia que o peso da idade começasse a se fazer sentir. Felizmente, eu estava completamente errado e o cara continua mandando muito bem, com uma movimentação intensa e agitando a galera. Na parte vocal também – óbvio, alguns tons mais altos não são mais como antes – mas ele contornou isso muito bem. O restante da banda também merece elogios, com destaque para Charlie Benante, que é um baterista monstruoso. Ótimo show.


Passado o turbilhão Anthrax, o palco mundo recebia o Helloween. Confesso que esperava muito este show, uma vez que um dos vocalistas mais brilhantes que já vi na vida era da banda e estava de volta: Michael Kiske. O material da fase dele é sensacional (até mesmo os mais polêmicos, como aquele nos dois albuns que antecederam sua saída do grupo) e estava ansioso para vê-lo atualmente ao vivo. Apesar de uns kilos a mais e uma bela careca, a voz está lá e ele simplesmente destrói. E é nesse ponto que vi um problema, apesar de ter achado bacana a postura da banda em manter Andi Deris e fazer a divisão dos vocais. Andi já tem 25 anos de estrada com o Helloween e ajudou a banda a se reerguer na fase pós Kiske, em que obviamente muita gente virou as costas para eles. Entretanto, Deris vem de uma banda de Hard Rock e não tem nem de longe o alcance de Kiske (o que lhe rende até hoje um bocado de problemas na hora de executar as músicas antigas). Ao dividi-las, ele se livrou de um peso, mas a disparidade vocal de ambos fica absurdamente evidente no palco. Isso não tira o brilho do show (que foi espetacular por sinal), mas não deixa de ser um incômodo. Além de Kiske, Kay Hansen também voltou e brindou o público com “Ride the Sky”, do clássico “Walls of Jericho”. Impossível não mencionar as faixas dos Keeper´s – das 10 executadas, 6 foram deles – o que tornou o show fantástico. Resta agora aguardar o novo álbum que a banda estava preparando, cuja gravação interrompeu apenas para cobrir a vaga deixada pelo Megadeth e nos presentear com este magnífico show.

     
De volta ao Sunset, era hora deles, os mestres máximos do Thrash Metal: SLAYER! Na sua segunda vinda ao RIR, os americanos estão em sua turnê final e este provavelmente foi o último deles por aqui. Particularmente, sou a favor de que a banda realmente acabe e saia por cima. “Repentless” pode não fazer frente aos clássicos do passado, mas é um disco típico da banda, que ao vivo ainda é destruidora. Acho curioso que a banda conseguiu uma aura em torno de si que nenhuma outra conseguiu, um misto de respeito e admiração... Parafraseando Gastão Moreira (Canal Kazagastão no YouTube, cujo link segue aqui), o “Slayer é uma banda que ainda dá medo!” Não há muito a dizer e que não tenha sido dito antes: clássico atrás de clássico, numa apresentação irrepreensível. Pena que o palco não veio completo como o dos shows lá fora, sem nem ao menos os lança chamas. Mesmo assim foi inesquecível e o público se acabou. Destaque para o primeiro contato de Araya com o público: “E aí, porra!”. Vão deixar saudades...



Findo o Slayer e os shows do Sunset, o Iron Maiden explodia “Doctor Doctor” do UFO nos amps como introdução no palco mundo. Minhas expectativas estavam reduzidas pelo fato de que o Iron Maiden toca muito frequentemente no Brasil, sendo esta a quarta vez deles só no RIR (1985, 2001, 2013 e agora em 2019). É impossível não ter a sensação de o espaço poderia ser ocupado por outro nome, mas o velho dilema do apelo comercial sempre fala mais alto. Some-se a isso a crise musical que assola a cena hoje, onde não existem bandas passíveis de sucederem medalhões como o próprio Iron, por exemplo, e daí temos tantos retornos. O engraçado é que assisti, ao vivo pela TV, apenas as 2 primeiras duas músicas e fui dormir. No dia seguinte, ao assistir o restante do show, fiquei estupefato com a apresentação como um todo! Primeiro ponto a ser celebrado: apesar da média de idade dos músicos girar em torno de 64 anos, a banda ainda não demonstra sinais de cansaço, com as músicas executadas com a perfeição costumeira. Isso mencionar Bruce Dickinson, que mesmo depois de vencer um câncer continua afiadíssimo e com um carisma que coloca o público em suas mãos. Outro detalhe positivo foi o perfil da turnê que prioriza sons antigos, resgatando algumas pérolas como “Where Eagles Dare”, “Flight of Icarus” e “Iron Maiden”. Show histórico e que deu um banho em muita coisa nova por aí....

O Scorpions é um daqueles casos de banda que já fez tour de despedida e na hora “H” não parou... mas deveria. Numa daquelas coisas que não tem explicação, eles foram eleitos em um site de notícias (G1) como o melhor show do festival (?). Piadas à parte, só não foi pavoroso porque as músicas são maravilhosas por si só, mas Klaus Meine simplesmente não consegue mais canta-las... Apoiado no pedestal do microfone como se fosse uma muleta, o vocalista simplesmente mostrou cansaço e falta de pique contagiantes. Não vi o show todo (não deu por razões óbvias), mas “The Zoo” e “Rock You Like a Hurricane” ficaram muito abaixo das versões originais. Quem viu o show da banda no RIR de 1985 lembra a correria desenfreada dos caras e a energia das músicas, sem duvida estranhou muito o marasmo desta apresentação. A única exceção é o baterista e ex-Motorhead Mike Dee, que se esforça para dar algum dinamismo a coisa toda, mas bem diz o ditado: “uma andorinha só não faz verão”.

No 1ª etapa do RIR, na semana anterior, tivemos o Whitesnake. Ao contrário do Scorpions, o show da Cobra Branca foi incendiário, e teria sido perfeito se não fosse um pequeno detalhe: David Coverdale, o vocalista, não consegue mais cantar! Todos os refrãos são cantados em  uníssino por 4 dos 5 músicos da banda – apenas o batera Tommy Aldrige não faz backing vocals – numa situação que chegava a ser hilária em alguns momentos. “Burn” (sim ele fecha o show com isso, uma música clássica do Deep Purple e com tons altíssimos) foi escancarada, pois ele simplesmente não consegue mais fazer um décimo do que fazia no passado, e a banda canta o refrão por ele! Este foi o caso mais crítico, mas praticamente todas as músicas do set se utilizaram desse recurso, enquanto Dave executava sua performance que tentava mascarar um pouco as coisas. Fora esse “pequeno” detalhe, o show foi maravilhoso, com a banda afiadísssima (Tommy Aldrige  é um monstro, mesmo aos quase setenta anos de idade!) e um repertório infalível. Mais um caso em que a hora de parar talvez tenha chegado, ainda que o espetáculo tenha valido a pena. A questão é: até quando?

No geral, a cada edição fica evidente a pouca renovação que a música vem tendo nos dias de hoje. A necessidade de repetição de nomes – leia-se Headliners – que o festival tem praticado reflete-se não somente em agendas conflitantes, mas também na dificuldade de grandes nomes que o façam, dentro e fora do Heavy Metal. Na minha opinião, o Metal ainda é um estilo que ainda oferece opções aos Medina fora a trinca Iron Maiden/Metallica/Guns n` Roses, já tão explorada. Saxon, Accept, Kreator, Dream Theater, Judas Priest, Testament, Exodus, Nightwish, Epica, Machine Head e muitas mais outras bandas ainda seriam um chamariz e tanto para o dia específico do Rock de verdade. Na parte pop, realmente se faz necessário um alinhamento com o gosto popular, uma vez que não há aquela fidelidade ao artista, e sim ao que está na moda. O problema que o Pop de hoje não tem um décimo sequer da qualidade que tinha nas décadas de 80 e 90. Em termos de Brasil, basta lembrar que o “sucesso” daqui é representado por Anitta (?) e Pablo Vitar(?!?)... que a música descanse em paz. 


terça-feira, 11 de junho de 2019

O Maestro se Foi....


Decorridos 3 dias desse fato até agora surreal, acredito que provavelmente nem o próprio André Matos, ainda em vida, tivesse idéia de que sua morte prematura fosse ter tanto impacto na cena de um modo geral. Uma coisa é a idade chegar e, com ela, as deficiências e fraquezas da nossa frágil existência. Outra é partir mais cedo do que o previsto, com toda uma vida pela frente e toda uma gama de oportunidades. No caso dele, ainda temos o agravante de que, com apenas 47 anos, já tivesse atrás de si um legado tão imenso e tão importante. Ao partir cedo demais, como foi o caso dele, é gerada toda uma gama de “E se...”, relativo ao que poderia ter acontecido no futuro. Obviamente o Angra é a maior dessas dúvidas, mas quando falo do impacto de sua partida precoce, me refiro também a outros aspectos.


Não vou repetir aqui a história completa deste músico excepcional, isso todos conhecem ou têm amplas oportunidades de fazê-lo. André era um gênio, e como todo gênio tinha algumas peculiaridades. A mais notável delas, e não era necessário ser amigo próximo dele para saber, era uma inquietude que se refletia em suas bandas, obviamente por razões diferentes. Sua carreira musical se iniciou com o Viper, o prodígio de banda que revolucionou a cena nacional  com o chamado “Power Metal”, com fortíssimas influências de Iron Maiden e Helloween no primeiro disco (o espetacular “Soldiers of Sunrise”). O segundo (“Theatre of Fate”), numa evolução espetacular, já começou a moldar a tônica da carreira do vocalista dali para frente: forte influência clássica, belíssimos arranjos, vocais em tons altíssimos, tudo isso sem abrir mão do peso. Mas durou pouco, pois apenas 5 anos depois do seu início André se despedia da banda e iniciava vôos mais altos com o Angra, mais exatamente em 1991. O projeto que seria o mais bem sucedido em sua carreira, teve sua alavancada em 1993 com o hoje clássico “Angels Cry”. Este álbum simplesmente não apenas abriu as portas para a banda no exterior, mas simultaneamente assombrou a cena brasileira, até então acostumada ao Thrash/Death oriundo do Eixo BH/Rio/São Paulo, ainda muito profílico na época. Só para se ter uma idéia Korzus, Sarcófago e Ratos tiveram lançamentos emblemáticos nesse mesmo ano. Isso sem mencionar o Sepultura, que começava a dominar a cena internacional com o poderoso “Arise”. 


Entretanto, depois de 8 anos de Angra, uma nova mudança: a banda da vez passou a ser o Shaman, formada por 3/5 de ex membros do Angra depois de um rompimento gerado por desentendimentos sobre os rumos empresariais da banda. Com 2 albuns lançados e um DVD que até hoje é referência de qualidade técnica, o Shaman teve um sucesso meteórico, abruptamente interrompido pela saída de André, que daí partiu para a carreira solo. Nesta etapa deu ao mundo 3 excelentes discos, apesar de uma repercussão menor do que seus trabalhos anteriores.  

Ao falecer no último dia 08, André ainda completava o ciclo de apresentações com o Shaman, cuja formação original havia se reunido em 2018 para alguns shows, num presente aos fãs que tanto pediram por este retorno. Obviamente que a expectativa também alcançava o Angra, mas nada de concreto surgiu ou foi cogitado. Reticente com esta volta por anos, André nunca havia dado esta abertura para uma reunião, até que numa entrevista recente deixou escapar que seria possível, mas apenas com a formação original presente: fora isso, não haveria sentido. Por ironia do destino, dias antes de morrer expressou novamente este desejo, falando mais abertamente que uma volta aos palcos com os ex companheiros seria que algo que ele gostaria de fazer. Infelizmente, isso nunca mais será possível.

A partida precoce de André, como mencionei no início desse texto, deixa alguns impactos significativos, além da óbvia perda do músico e do ser humano:

O primeiro, o Angra nunca terá sua formação clássica nos palcos novamente. Os anos de afastamento aprofundaram a distância (Kiko admitiu em vídeo logo após o falecimento de André que não falava com ele há pelo menos vinte anos) e as frustradas tentativas de reatar contato (André nunca aceitou os convites do Angra para festivais ou eventos comemorativos) impediram a banda de se unir novamente. Tento imaginar o sentimento, principalmente de Rafael e Kiko, em não terem feito as pazes quando foi possível, embora André também tenha tido sua cota de culpa nessa situação. Outro detalhe curioso envolvendo o Angra é que André conseguiu revisar sua história com o Viper e o Shaman, voltando aos palcos e matando a saudade dos fãs com estas bandas. Só não o fez com o Angra pelas razões acima.

O segundo recai sobre a combalida cena nacional, que perde agora mais uma referência de talento e experiência. André e sua influência clássica foram parâmetros para toda uma gama de bandas, aqui e lá fora, principalmente na década de 90, onde ajudou a sedimentar o famoso Metal Melódico, que simplesmente teve um boom nessa época. No Brasil, ajudou a abrir as portas para o exterior ao somar forças com o Sepultura, Ratos de Porão e Korzus, todos em franca ascenção nessa época.

O terceiro recai sobre os planos futuros que não se realizarão, pois além da possível reunião com o Angra, André planejava um novo disco para o Shaman, além de uma tour no exterior. Planos ambiciosos que movimentariam muito os fãs antigos e que, com certeza, iriam conquistar muitos outros novos. Fica o alerta para outro medalhão do Metal nacional, na mesmíssima situação, o Sepultura. É impossível não fazer a comparação depois do que aconteceu, uma vez que as figuras centrais, Max e Andreas, também não se falam há mais de 20 anos.

Que André Matos descanse em paz, tendo a certeza de que sua missão foi interrompida precocemente, mas até aonde a vida permitiu, foi cumprida com louvor.

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Metal e Coerência


Há algum tempo atrás fiz uma postagem aqui no blog chamada “Voltar ou Não Voltar: Eis a Questão...” (leia aqui) onde eu questionava o ímpeto de bandas em retornar à ativa depois de encerradas suas carreiras. Com o texto focando nas bandas nacionais, um dos casos citados foi o de Edu Falaschi, que resolveu retornar com o repertório do Angra dos anos em que esteve na banda, executando-o ao vivo em uma turnê que, de bem sucedida, extrapolou o Brasil e conseguiu até chegar ao Japão. Comentei também que, no caso do Edu, a “carreira solo” dele (vocês entenderão estas aspas mais a frente) com a sua banda Almah não se mostrou tão produtiva quanto estes shows com o material do Angra. O Almah lançou 5 albuns que não conseguiram a mesma repercussão frente aos lançados pela sua ex banda, ainda que tivessem qualidade nas composições e muito bons músicos acompanhando o vocalista. Com isso, não foi necessário muito cálculo para entender que o resultado só viria se o passado fosse revisitado. Até aí tudo bem, pois ele não foi o primeiro e nem será o último músico na Terra a fazer isso: requentar um prato antigo que todos gostam, a arriscar fazer um novo que seria uma incógnita no paladar geral...

Entretanto, é preciso ser honesto consigo mesmo e com todos a sua volta sobre isso. É notório que o músico, como qualquer um, precisa por pão à mesa, e daí não é demérito – apesar de ser um tanto oportunista – se utilizar de algo que é de sua autoria, embora não seja novidade. E daí chego no ponto que é a razão de tocar neste assunto novamente:  a entrevista de Edu Falaschi para a edição #240 da revista Roadie Crew, em janeiro deste ano, que é, no mínimo, vergonhosa. Os argumentos utilizados pelo músico para justificar esta nova fase do seu trabalho chegam a ser engraçados, uma vez que ele alega que recebeu conselhos cruciais sobre sua carreira de ninguém mais, ninguém menos, que Joe Lynn Turner, que culminaram com esta nova empreitada. Confesso que não li a entrevista na revista impressa em si, apenas a que está disponível no site (leia aqui). Não sei se o conteúdo é exatamente o mesmo, mas acredito que o online seja até melhor, pois todos podem acessá-la e confrontar com as opiniões que darei aqui.
 
O primeiro ponto a ser levantado é onde ele coloca e justifica essa nova fase como carreira solo, sendo caracterizada pela adoção do seu nome à frente do projeto. Segundo o ele, o Almah era uma banda, diferentemente do que ele faz agora. Essa concepção teria sido dada por Joe Lynn Turner num encontro em um festival no Peru em que ambos tocaram, sendo que Edu fora convidado para tocar exclusivamente material do Angra e nada de sua carreira “solo”/”Almah”. Surpreso com a receptividade do público, a cereja do bolo nesta sua decisão teriam sidos os referidos conselhos de Joe Lynn Turner. Um deles foi de que a chave do sucesso seria ele se expor como Edu Falaschi cantando o seu legado do Angra. Nas palavras do próprio Edu reproduzindo Joe: "Vai para cima, tem público para você – a galera quer o Edu do Angra”.


A primeira coisa que me vem à mente: no Almah, Edu tinha um projeto seu, autoral, e que obviamente era comandado por ele. O conceito de banda se resumia ao fato do nome que não fazia menção ou remetia a pessoa dele, o que não permitia uma identificação imediata para quem não conhecesse sua história. Mas o “x” da questão é que o direcionamento musical era dele. Partindo desse principio, fica difícil entender como ele só agora tem carreira solo – porque pôs seu nome à frente de tudo – mas executa material de outra banda. Tudo bem que ele teve músicas compostas por ele e que ele tem todo o direito de executá-las, mas vamos lembrar de que haviam outros compositores de peso na banda (Kiko e Rafael prinicipalmente) e os arranjos certamente tiveram ajuda deles ou até mesmo de toda a banda. Ou seja, é um material que embora seja dele como compositor e músico, leva o carimbo de uma outra banda da qual ele fazia parte. Isso pode até lembrar o caso de Blaze Bayley, que vai morrer cantando aquelas músicas do Iron Maiden no período em que ele esteve na banda, embora exista um significativo diferencial, uma vez que ele não abriu mão de material próprio. Alías, o próprio Blaze se lançou na carreira pós-Maiden com uma banda (Blaze), obviamente conduzida por ele, optando pela mudança anos depois e adotando simplesmente seu nome, mas ainda com uma carreira – solo - completamente autoral.

Não consigo deixar de pensar no seguinte: ou Joe Lynn Turner tirou um sarro gigantesco com seus “ensinamentos”, ou involuntariamente falou uma bobagem sem tamanho para o nosso querido Edu e ele acreditou. Falo isso porque as histórias de ambos são muito diferentes, sem paralelo que pudesse colocar os conselhos de JLT como certeiros. Para quem não sabe, JLT tem 67 anos de idade e muito mais estrada que Falaschi, já tendo tocado com Rainbow, Yngwie Malmsteen, Deep Purple, Glen Huges entre outros, isso sem mencionar sua extensa carreira solo, com seu primeiro álbum lançado no já longícuo ano de 1985. Ou seja, JLT é um músico conhecido tanto pelo seu trabalho em bandas famosas, quanto pelos seus trabalhos solos e também em projetos com outros músicos. Tem uma uma carreira consolidada, mas não por único trabalho ou banda, o que não é o caso de Edu Falaschi. É importante lembrar que a discografia de Edu nos 12 anos em que esteve no Angra é composta de apenas 4 albuns – 5 se contarmos o EP “Hunters and Prey” (o detalhe é que, desses 5 albuns, apenas 2 são bombásticos, sendo que ambos já estão sendo explorados nesta etapa solo). Ao aconselhar que o nome seria tudo para a conexão com o público, JLT só se esqueceu da bagagem que é necessária para isso. Outra bobagem sem tamanho foi a alegação do próprio JLT de que “O Iron Maiden, Metallica – 90% do repertório é coisa antiga”. Mas é a banda executando seu material antigo, coisa que o próprio Angra também faz hoje. E mais: todos continuam produzindo material novo...

Outro ponto da entrevista que é dum absurdo sem tamanho é quando Edu é questionado se a música “The Glory of the Sacred Truth”, se lançada pelo Almah não teria o mesmo efeito que teve simplesmente sob seu nome solo. A resposta é “não”, sob a alegação de que isso é curioso e afirmando que é o nome que faz a diferença (minha nossa...) pois o nome dele remete ao Angra, acionando o carinho e a nostalgia do fã (meu Deus...). É o mesmo que dizer que você ouve Judas Priest, mas não ouviria o Fight do Rob Halford (ou não se interessaria em faze-lo, pelo menos) porque o nome não faz conexão com o da (ex) banda principal (?!). Ao meu ver, isso é até meio ofensivo, pois ele estaria condicionando que o público ouve bandas mais pelo nome do que pela qualidade do material. Neste ponto pego o seguinte gancho: se no Angra haviam outros compositores ou até mesmo a própria banda na composição do repertório, podemos deduzir que o Edu e seu material sozinhos por si só não se sustentam, tendo tomado a dimensão que tomaram por conta da interferência do Angra. Na mesma entrevista, Edu afirma que o Almah atingiu um teto de repercussão do qual não conseguia passar: não seria “a qualidade do meu material sozinho atingiu um teto do qual somente o Angra conseguiu passar?”

Para finalizar, como fica o Ego nisso tudo: ao ser questionado quanto a abrir mão do orgulho em apresentar músicas novas, renegando o passado, somos obrigados a ouvir/ler um “Eu não me venderei” (?!?!). O contexto é de que não seria imposto material novo ao fã abrindo mão do antigo, apenas pela arte de criar novas canções, não havendo mal algum em usufruir de criações passadas, e que fazem parte de sua história. Ainda segundo Edu: “...ego não é algo que me aflige. Aquela coisa de: “nossa, preciso mostrar meu trabalho, pois não quero me apoiar no passado”. Lamentável ver um músico com a bagagem e experiência que ele possui recorrer a um discurso demagogo desse para justificar uma carreira “solo” baseada nas músicas da sua ex banda.


Reconheço duas coisas: primeiro, Edu é um artista talentoso e tem um material sensacional no Angra, tão importante quanto o da fase do André Matos; segundo, as dificuldades do músico com material autoral, ainda mais de Heavy Metal, são notórias no Brasil. É uma verdadeira luta, é verdade. Entretanto, não justifica um artista já estabelecido usar uma história fantástica – que não estou dizendo que seja mentira, pelo contrário – envolvendo outro artista que não conhece a realidade dos fatos. Pior ainda isso ser interpretado como um sinal divino para uma guinada na carreira, que está até se mostrando produtiva e rentável, mas que do ponto de vista artístico representa mais um artista jogando a toalha e apelando para o caminho mais fácil. É o famoso “jogar para a galera”, tocando o que todo mundo quer ouvir. Não é à toa que depois de anos de ostracismo, Sandy & Júnior vão voltar, pois o passado foi mais feliz artisticamente do que o presente, até mesmo para eles. A questão é que o Edu é muito, mas muito diferente de Sandy & Junior...

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Bandas, Músicos, Amor e... Ódio?


O mundo da música é afetado, no que diz respeito à saudade, da mesma maneira que relacionamentos amorosos. Enquanto casais desfeitos sentem falta de seus ex companheiros, bandas sentem falta de ex músicos e vice versa, músicos sentem falta de suas ex bandas, por diversas razões. No Metal isso não é diferente, e um dos casos que sempre me chamou a atenção foi do KISS e sua relação conturbada com os ex membros Ace Frehley (guitarra) e Peter Criss (bateria). Com diversas idas e vindas dos envolvidos, elogios e ofensas, a história acaba de ganhar novo contorno desde que a banda anunciou (pela segunda vez) uma tour de despedida, onde encerrará (?) sua história. Desde então, Ace Frehley tem se oferecido descaradamente para participar. Não satisfeito com isso, ainda condiciona a presença do amigo Peter Criss, embora este nada tenha comentado sobre o assunto. Mas o detalhe interessante é que Ace já conseguiu, mesmo sem ser convidado ou algo que o pareça, brigar com os ex companheiros novamente, aparentemente tornando o até então inexistente convite em algo impossível de se materializar.


Ace e Peter fizeram parte da formação original da banda, estando nela desde sua fundação em 1973 por Gene Simmons e Paul Stanley. Depois de alguns álbuns de estúdio, dois álbuns ao vivo e um sucesso meteórico, os dois deixaram a banda por problemas de relacionamento e ego com Gene e Paul, devidamente amplificados com o consumo de drogas e álcool. O jeito descolado dos dois, com uma vida extremamente desregrada, contrastava diretamente com a disciplina de Paul e Gene, ambos devidamente focados nos objetivos da banda e no seu sucesso. Enquanto Peter deixou a banda em 1980, Ace sairia dois anos depois, em 1982. No ano seguinte a banda faria o icônico show no Maracanã, já com novos músicos e, na sequência, entrou num processo de reformulação da carreira que culminaria com a retirada da maquiagem em 1984.

Ace e Peter entrariam em cena novamente apenas em 1995, quando o Acústico da MTV os aproxima novamente. Com o sucesso e a repercussão desse reencontro, as máscaras voltaram à cena, uma nova tour teve início e um novo álbum com ambos acabou sendo feito (“Psycho Circus”). Entretanto, Ace sai novamente em 2002, com Peter abandonando o barco em 2004. De lá para cá, os músicos foram substituídos, com a formação da banda estando estável desde então, havendo lançado mais um álbum de estúdio inclusive (“Monster”).

Mesmo com todos os problemas e as saídas conturbadas, onde todos se acusavam mutuamente, com direito inclusive a diversos processos judiciais envolvendo uso de imagem, composições e direitos autorais, o contato entre os músicos nunca cessou por completo. Nos últimos 10 anos, pelo menos, onde Ace e Peter pareceram mostrar evolução em seus processos de “limpeza” de álcool e drogas, as participações de ambos em projetos solo de Gene e Paul se tornaram mais frequentes. Com a provável melhora do relacionamento e reaproximação, obviamente retornam os rumores de uma (nova) reunião.


Desde o anúncio da “The End of the Road” do KISS, a derradeira tour na carreira da banda, Ace Frehley tem dado a entender, de maneira totalmente explícita, que seria ideal que ele e Peter participassem, por se tratarem de membros originais. O engraçado de tudo é que, mesmo com a reaproximação recente, Gene Simmons nunca escondeu que não fazia parte dos planos dele tocar com Ace e Peter de novo no Kiss, uma vez que aprendera nas outras oportunidades que não poderia confiar neles. Independentemente disso, Ace continuava dando declarações sobre estar complemente disponível para um retorno, até que numa entrevista recente, Gene estragou a paz aparentemente reinante. Reproduzo abaixo a bombástica declaração, quando finalmente se posicionou sobre uma “possível” reunião:
"Ace e Peter (Criss) tiveram três chances. Eles entraram e saíram da banda... foram despedidos... três vezes. Por uso de drogas, álcool, mau comportamento, por serem pouco profissionais… Eles não aceitavam suas responsabilidades. Então a resposta curta para a sua pergunta é que adoraríamos que Ace e Peter se juntassem a nós na tour. Mas se eles não se juntarem, não será por nossa culpa. Eles nunca estarão no KISS novamente. Três vezes é demais. Prometer que vai funcionar desta vez não é suficiente. Não é confiável. 'Oh, eu estou sóbrio por um milhão de anos.' Ótimo! Tenha uma ótima vida! Ace e Peter são bem-vindos para subir ao palco para uma música ou duas? Claro. Podemos depender de Ace ou Peter para um show completo noite após noite? Nunca!"

Obviamente, Ace não gostou e respondeu cuspindo fogo (desculpe a piada), inclusive com a acusação de que recentemente Gene “apalpara” sua mulher (!) e oferecera sexo a ela (!!). A verdade é que o “possível” categoricamente se tornou “impossível”, e a banda provavelmente vá sair de cena sem subir ao palco com a formação original, ainda que Peter Criss, até então, não tenha se envolvido no caso. Verdadeiramente, Ace estava com os olhos voltados para a fortuna que essa tour irá gerar, como tudo que envolve o nome/marca do Kiss. Como Ace e Peter nem de longe tiveram carreiras solo com a mesma repercussão, sempre foi um ótimo negócio voltar para a banda. Entretanto, seus temperamentos e fraquezas sempre falaram mais alto. Voltando ao comentário de Gene e a resposta simplesmente irada, Ace ameaçou-o dizendo que, “A não ser que vocês peçam desculpas sinceras e completas, me deem de volta o meu emprego na banda, e tirem Tommy do trono que eu construí. A MERDA VAI BATER NO VENTILADOR E NÃO VAI PARAR! VAI CONTINUAR!”. O curioso é que, mesmo na posição mais desfavorável do mundo, Ace exige que Tommy Thayer, um membro estabilizado há 17 anos (isso sem contar que antes disso ele era Tour Manager da banda) seja simplesmente sacado do grupo e da tour para sua volta...

Mas devemos admitir que Ace estava correto ao dizer, também recentemente, que provavelmente estaria havendo pressão dos produtores dos shows para que eles fossem incluídos, uma vez que a formação original aumentaria o “atrativo” aos fãs. Realmente a 1ª reunião foi lucrativa para a banda e foi bom enquanto durou, até os hábitos do passado estragassem tudo novamente. Mas 3 fatores contrariam a expectativa de Ace: a banda continua lotando os lugares por onde passa, mesmo sem ele e Peter. Isso sem mencionar que a formação atual é até mais funcional tecnicamente do que a original; segundo a própria premissa de uma tour de despedida, agora para valer, já será suficiente para lotar estádios. Por fim, a produção de palco que vem sendo prometida provavelmente fará com ninguém se importe com a ausência de ambos. Creio que no fim das contas, Ace terá de se contentar com a rejeição e um amor mal resolvido, musicalmente falando... 

Annihilator - Set The World On Fire [OFFICIAL VIDEO]

Vídeo: Paradise Lost "Embers Fire"

Vídeo: Morgoth "Body Count" (Live Hardenberg, Holland 20.06.1992)

Vídeo: Gojira "Oroborus" (Live at Les Eurokéennes 2009)

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

E se Tivesse Sido Diferente?


Muito me surpreende que ninguém nunca tenha levantado a seguinte questão: e se o Slayer e o Exodus tivessem lançado seus álbuns de estréia antes do Metallica? Teria a banda esta aura percursora do Thrash Metal que tem hoje? Sempre achei que não, e mais: sempre considerei isso um absurdo sem tamanho, uma vez que é notório que o Metallica não iniciou nada sozinho. A Bay Area de São Francisco ficou conhecida na década de 80 por ter tido uma cena composta de diversas bandas: além dos já citados, havia também Death Angel, Forbidden , Heathen, Testament, Vio-Lence, Possessed e etc.. Entretanto, quis o destino que o Metallica fosse o primeiro a lançar o seu debut, ainda que o mercado de demo tapes estivesse devidamente abastecido com lançamentos de todas as bandas em atividades na época, ou seja, opções não faltavam. Com isso, a banda conseguiu uma fama não merecida, ainda que seu “Kill Em All”, apesar de um excelente disco, fosse ser “engolido” meses depois pela estréia do Slayer, o brutal “Show No Mercy”, infinitamente mais violento, rápido, técnico e impactante.

Em termos de surgimento, o Exodus é a banda mais antiga, tendo se iniciado em 1979, com Metallica e Slayer iniciando suas atividades em 1983. Passada a fase de demos, o Metallica lançou seu “Kill ´Em All” em 25 de Julho de 1983; pouco mais de 4 meses depois, o Slayer lançaria o “Show No Mercy” (03 de Dezembro de 1983). O Exodus, apesar de mais antigo, teve um tremendo azar por problemas com a gravadora, só conseguindo lançar seu debut (o magnífico “Bonded by Blood”) quase dois anos depois do Metallica, em 25 de Abril de 1985. Para se ter uma idéia do atraso que isso representou, nessa época tanto Metallica quanto  Slayer, já haviam lançado seus álbuns seguintes, respectivamente “Ride The Lightning” (Julho de 1984) e “Hell Awaits (Março de 1985). Ainda que a banda já fosse muito conhecida localmente, o reconhecimento mundial veio tardiamente, isso sem mencionar no retorno mercadológico, uma vez que as outras bandas já se encontravam bem mais estabilizadas.

Analisando individualmente, é óbvio que as bandas tiveram direcionamentos distintos dentro do Thrash Metal. Enquanto o Slayer absorveu as influências do Venom e as elevou a uma potência maior, com um som mais rápido, agressivo e com a mesma temática satânica, o Metallica optou por um som mais cru e rápido, mas menos técnico. Dos três, quem mais se destacou neste quesito foi o Exodus, que apresentou um disco com uma variação absurda entre a velocidade e peso, com um show à parte do baterista canhoto Tom Hunting. Além dele, Gary Holt e Rick Hunolt nas guitarras foram responsáveis por riffs absurdamente sensacionais.

Na minha concepção, em nada interferiu o Slayer haver lançado seu disco de estréia depois do Metallica, pois os direcionamentos e, consequentemente, os públicos seriam diferentes. A história mostrou que a banda tinha uma áurea própria, totalmente independente do Metallica. Entretanto, sempre imaginei que se “Bonded By Blood” tivesse vindo antes, a coisa seria diferente em termos de impacto pois, tecnicamente, ele é um álbum infinitamente superior ao “Kill ‘Em All”. Os riffs são melhores, as linhas de bateria são mais complexas e as músicas – e eu digo TODAS – são sensacionais, o que não ocorre no disco do Metallica. Sempre considerei aquele solo de baixo do Cliff Burton muito legal de ser feito no show, mas muito cansativo no disco. Além, do mais, há uma música claramente abaixo das demais, a enfadonha “Jump In The Fire”, cujo riff linear é repetitivo demais. No disco do Exodus temos as destruidoras “And Then There Were None”, “Piranha” e “Strike of The Beast”, só para citar três exemplos de diversidade, técnica e variação.

Se levarmos em conta os músicos, o Exodus levava certa vantagem por ter um baterista fora da curva. Não que Lars Ulrich fosse ruim – pelo menos ainda não era, pois ele só se transformaria em um pastiche de si mesmo anos mais tarde – mas Tom Hunting era (e ainda é) muito superior a ele. Ulrich sempre foi um baterista mais simples, embora tenha tido um desempenho soberbo em pelo menos dois álbuns, na minha modesta opinião: “Ride The Lightning” e “...And Justice For All”. Já Hunting provou, até mesmo nos álbuns seguintes do Exodus – isso sem mencionar ao vivo – o quanto era bom, estando num mesmo patamar do mestre Dave Lombardo. Neste ponto, Slayer e Exodus ficavam empatados.


Um argumento válido e que não posso desconsiderar seria o seguinte: “Mas os 3 primeiros do Metallica são clássicos, ao passo que o Exodus não conseguiu esse feito”. Ok, pois “Kill ‘ Em All”, “Ride The Lightning” e “Master of Puppets” são realmente icônicos, ao passo que o Exodus conseguiu apenas “Bonded by Blood” nesta categoria. Os seguintes, “Pleasures of the Flesh” e “Fabulous Disaster”, apesar de muito bons discos, tem lá seus defeitos. Em nenhum momento disse que possivelmente a história seria diferente se o Exodus tivesse lançado sua estréia primeiro, fazendo com que o Metallica não conseguisse o sucesso que teve. Disse apenas que essa aura de “Pais do Thrash Metal” não existiria. Independente da ordem dos discos, a qualidade deles falaria mais alto e o sucesso seria o mesmo.  Mas acho que o Exodus teria mais sorte em alguns quesitos: Paul Ballof possivelmente teria tido tempo de cantar em mais de um disco; Com mais estrada, os albuns talvez viessem mais consistentes e até melhores produzidos, em especial o segundo; Por fim, a banda teria sobrevivido à década de 90, onde Metallica e Slayer conseguiram atravessar praticamente incólumes à ascensão do famigerado Grunge, que atingiu em cheio o mercado americano.