terça-feira, 10 de março de 2020

Resenha: "Scream Bloody Gore" Death (CLASSIC ALBUM)



Impressionantemente, mesmo com todos esses anos de Metaloger, nunca postei nenhuma resenha sobre nenhum álbum do Death, uma das minhas bandas preferidas. Ainda mais do primeiro, o espetacular “Scream Bloody Gore”, disco esse que é o pilar do estilo conhecido como Death Metal, e não o “Seven Churches” do Possessed. Para quem não sabe, existe uma polêmica que dura até os dias de hoje sobre quem lançou o primeiro álbum de Death Metal no mundo: o Possessed, cujo “Seven Churches” foi lançado em 1985, ou o Death, cujo debut veio em 1987. Observando apenas a ordem cronológica, é óbvio que o Possessed ganha a parada, não fosse o detalhe de que a banda tinha um estilo muito mais ligado ao Thrash Metal, ainda que mais pesado e sujo, e reforçado pela temática Satânica bem evidente. Mas um detalhe para o qual muitos não se atentam é que o Possessed fazia parte daquela turma precursora do Thrash Metal da Bay Area, de onde saíram Exodus, Metallica, Slayer, Forbidden e Vio-lence, entre muitos outros. Uma ouvida cuidadosa em "Seven Churches" fatalmente possibilita perceber a veia Thrash da banda, o que ficou ainda mais evidente nos dois lançamentos seguintes, o EP “The Eyes of Horror” e álbum “Beyond The Gates”.

Já o Death era oriundo de Tampa Bay, na Flórida, que foi o berço não só da banda, mas também de uma das maiores cenas do estilo, com nomes de grande representatividade como Obituary, Deicide, Cannibal Corpse, Morbid Angel, Massacre, entre outros. O Death - inicialmente chamado Mantas - lançou seu debut depois de três anos de sua criação  e uma série de demos que correram o mundo e consolidaram o nome da banda nesse período. Nome esse, diga-se de passagem, que acabou batizando o estilo, o que reforça a paternidade  do Death nesse segmento mais extremo do Metal até então. Como toda banda em início de carreira, as coisas não vieram facilmente, havendo alguns percalços curiosos até que “Scream Bloody Gore” finalmente fosse lançado em 1987. O primeiro problema ocorreu antes da gravação do álbum, quando a banda, até então um trio formado por Chuck na guitarra, Rick Rozz na outra guitarrra e Kam Lee na bateria e vocais, se dispersou. Como a proposta da gravadora Combat Records era de que a banda gravasse em Los Angeles e não na Flórida, Rick e Kam, que não queriam viajar na época, recusaram a chance e saíram da banda, formando posteriormente o (sensacional) Massacre. A partir daí, Chuck se viu sozinho para a gravação do álbum e teve de encontrar outros parceiros para levar a banda adiante. No fim das contas, o álbum foi gravado apenas por dois músicos: Chuck ficou com as guitarras, baixo e vocais; na bateria, Chris Reifert, que futuramente formaria o fabuloso Autopsy (nota: o guitarrista John Hand, apesar de creditado, inclusive com foto no album, não gravou o disco e sequer fez um único show com a banda). Com o problema da formação resolvido, o álbum foi gravado, mas... A gravação não agradou a Combat, que simplesmente recusou o resultado final e mandou a banda refazer o disco inteiro! Com isso, SBG entrou para aquele grupo seleto de álbuns que possuem duas versões distintas, embora a primeira nunca tenha sido lançada. Mas como tudo hoje em dia, nada que uma busca na Internet não resolva. Particularmente, prefiro a que foi lançada e que todos conhecemos. Embora mais polida, ressaltou muito mais os detalhes e a brutalidade das canções.


Gravado no The Music Grinder em Los Angeles, em Novembro de 1986 e lançado em 25 de Maio de 1987, “Scream Bloody Gore” foi produzido por Randy Burns e teve sua antológica capa feita pelo mago Edward J. Repka. Contendo 10 hinos espetaculares (12 nas edições em CD), deixou claro que não foi à toa movimentaram toda uma cena, com o Death Metal explodindo mundialmente no fim dos anos 80 / início dos anos 90 a partir do seu lançamento. O disco abre com “Infernal Death”, trazendo uma introdução cadenciada que tantas bandas de Thrash e Death adoravam fazer nos anos 80, antes de entrarem nas partes rápidas. Aliás, o Death usa com maestria, ao longo do disco, as partes mais velozes, com Chuck executando riffs criativos e muito bem encaixados em partes mais longas com apenas a velocidade predominando. Na sequência, o hino dos hinos dentro do Death Metal: “Zombie Ritual”, uma das poucas desse álbum que se manteve no set list da banda enquanto Chuck ainda estava vivo e fazendo shows. Com uma introdução espetacular, com as guitarras dobradas num riff hipnótico, a faixa evolui para a velocidade extrema culminando num refrão cadenciado, numa alternância de ritmos destruidora. Destaque também para o peso da bateria de Reifert, uma tônica de todo o disco e não apenas nesta faixa. “Denial of Life” segue a linha curiosa que permeia todo o álbum, que são os refrões muito bem sacados, que te levam a cantar junto, por mais incrível que isso pareça. A faixa seguinte, “Sacrificial”, inverte a tendência do álbum, fazendo as estrofes em cima de riffs cadenciados e usando a velocidade no refrão. No final da música, mais uma alternância sensacional de ritmos, mostrando toda a genialidade de Chuck como compositor. No vinil, “Mutilation” fechava o lado A do disco como um soco no estômago: rápida e com um refrão destruidor (“You must die in pain / Mutilation”) tem apenas um refresco na mudança de ritmo no meio da música, mas logo volta ao estilo “caminhão desgovernado descendo a ladeira”. Simplesmente foda.


O antigo lado B começava com “Regurgitated Guts”, a primeira a apresentar um leve apelo Thrash no seu andamento, mas nada que afetasse o espírito do álbum. Pelo contrário, a combinação das partes cadenciadas com as mais rápidas ficou perfeita. Novamente Chuck usa com maestria a velocidade extrema no fim da faixa com um encerramento bombástico. “Baptized in Blood” é outra com refrão devastador em cima de uma base mais lenta e pesada, isso sem mencionar o encerramento também destruidor e criativo. “Torn To Pieces” é outra com um forte acento Thrash no andamento, mas com partes rápidas no refrão que são fantásticas. A velocidade predomina no fim da música, coroando o contraste das variações ritmicas. Na sequência, outra faixa lendária que também se manteve no set list da banda ao longo dos anos: “Evil Dead” começa com uma introdução mais melódica, mas não menos tétrica, preparando o terreno para uma faixa curta, rápida e fulminante. Um clássico absoluto! “Scream Bloody Gore” fecha o álbum com chave de ouro e contem todos os elementos que fizeram o álbum grandioso: velocidade e variações alucinantes de andamento, somado a um refrão muito foda. Mesmo sendo um disco de Death Metal, você se pega cantando as músicas junto! Com os lançamentos em CD, mais duas faixas se juntaram aos clássicos: “Beyond the Unholy Grave” e “Land of no Return”. Elas provavelmente não saíram no LP por conta do espaço. Para quem não sabe, antigamente o espaço no vinil e a quantidade de músicas estavam diretamente ligadas ao quanto de verba se tinha disponível para gravação e prensagem dos LP´s: mais musicas e mais tempo de duração significavam um custo maior... Mas depois de ouvir estas duas faixas é impossível não imagina-las como parte do lançamento original, tamanho poder de fogo de ambas, que são espetaculares.

Não é exagero dizer que “Scream Bloody Gore”, prestes a completar 33 anos do seu lançamento, ainda é um álbum destruidor e icônico, um verdadeiro clássico que definitivamente passou no teste do tempo. Para quem quer apreciar Death Metal com qualidade, este álbum é um ponto de partida perfeito, isso sem mencionar os discos seguintes da carreira da banda (o album seguinte “Leprosy” (1988) é simplesmente assombroso!!!). Pena que o gênio por trás dessa pérola de banda, o fantástico Chuk Schuldiner (R.I.P. 1967-2001) já nos deixou. Mas seu legado permanece, com “Scream Bloody Gore” sendo apenas sua primeira obra prima.

Uma curiosidade sobre esta resenha: a ideia de resenhar este disco me veio à cabeça estes dias, curiosamente neste ano em que está prestes a completar 33 anos do seu lançamento. Chuck nos deixou aos 34 anos de idade. Coincidências Metálicas...



sexta-feira, 6 de março de 2020

E Lá Vamos nós de Novo: "Quadra"

O Sepultura acaba de lançar seu novo álbum de estúdio, “Quadra”, o 15º da sua carreira e o 9º com Derrick Green nos vocais. E como ocorre em todo o lançamento da banda desde o rompimento com Max, novamente vieram à tona as comparações, discussões e lamentações: os fãs, como sempre fazem, dizem que este “é o melhor lançamento da banda pós Cavaleras” ou “a banda atingiu o seu ápice de amadurecimento”. Já os detratores, por sua vez, se resumem em “Sepultura de verdade é com Max e Igor”. De minha parte, devo confessar que gostei muito do que ouvi – em termos de composição e instrumental – e admito que a banda evoluiu muito de uns discos para cá. Entretanto, ainda me parece que os vocais de Derrick Green não são indicados para a banda, sendo irritantes e cansativos. Apesar de fazer um esforço para ouvir a banda a cada álbum lançado, os vocais põem tudo a perder, sendo que aqui não foi diferente. Apesar do instrumental destruidor, com destaque para Eloy Casagrande, que conseguiu dar uma dinâmica mais complexa ao som da banda neste disco, basta Derrick abrir a boca e tudo vai por água abaixo. Tem quem goste e eu respeito, mas não consigo aturar a banda nem em estúdio e muito menos ao vivo. 

Mas não irei fazer aqui uma resenha do disco, pois o ponto que gostaria de ressaltar é outro. Vendo a polêmica ressurgir com o novo lançamento, fiquei imaginando qual seria a razão para a banda passar por esse “perrengue” a cada novo disco. Afinal de contas, decorrido tanto tempo, já era de se esperar que as coisas estivessem mais estabilizadas ou definidas em termos de aceitação. Por mais óbvio que possa parecer, a resposta é simples: se Andreas e cia tivessem mudado o nome da banda, não teriam essa pressão enorme sobre si. Ou seja, se Andreas, Igor e Paulo (os remanescentes da formação clássica) tivessem optado por mudar o nome lá nos idos de 1997, talvez não fossem tão cobrados. Ok, haveria comparações, mas estas seriam do mesmo nível das que Max sofreu com o Soulfly, já que começava também uma banda nova do zero. A margem para sair da sombra do Sepultura era maior, já que se tratava de uma outra banda diferente. Como Max abriu mão do nome, Andreas continuou com ele. Mas ele errou ao fazê-lo? Penso, ao mesmo tempo, que sim e que não.





Errou sim pela razão acima, pois ao manter o nome, automaticamente puxou para si a obrigação de manter o legado, seja com o material novo, seja com o material antigo ao executá-lo ao vivo. E aí a coisa complicou, pois o material novo não veio no mesmo nível – o debut da nova formação, “Against”, é pavoroso – e o material antigo ficou comprometido, pois os vocais do Derrick são muito inferiores ao de Max, com o agravante de que ao vivo a banda conta apenas com uma guitarra, o que gera os inevitáveis “buracos” nas músicas na hora dos solos (um mal que ocorre com o material recente também, diga-se de passagem). O novo disco tem sido elogiado pelas várias camadas de guitarra, o que enriqueceu o arranjo das músicas, mas que se torna uma incógnita na hora de reproduzir ao vivo.



Não errou pela razão de que, se não o fizesse, estaria fadado ao esquecimento ou, no mínimo, uma jornada ainda muito mais árdua para recolocar a banda dentro do cenário. Basta lembrar que ao sair do grupo, Max acabou levando não só o empresariamento (feito pela esposa e pivô da confusão, Gloria Cavalera), mas toda a estrutura da banda fornecida pela gravadora. Se mantendo o nome Sepultura foi difícil para a banda se reerguer, sem ele teriam menos atenção ainda que tiveram do público na época, uma vez que a ansiedade estava voltada para o trabalho que Max lançaria com o Soulfly. Max tinha o vento a seu favor e conseguiu lançar seu disco de estréia 6 meses antes do Sepultura (21/04/1998, ao passo que “Against” só saiu em 06/10 do mesmo ano). Para azar deles, mesmo com o álbum de estréia do Soulfly não sendo nenhuma maravilha, este ainda era melhor que o Against. O Sepultura ainda lançaria mais 2 albuns inconsistentes e sem repercussão (“Nation” e “Roorback”) até que conseguisse voltar a chamar a atenção e retomar a carreira, inclusive internacional. Outro detalhe curioso foi a escolha do novo vocalista, cuja seleção se deu para criar um óbvio distanciamento do Max. Mesmo com Chuck Billy (Testament) participando do processo de seleção (?), a banda optou por um americano desconhecido e com um background no Hardcore, estilo bem adverso ao Thrash característico da banda. Já se vão 22 anos dessa escolha e Andreas não dá pistas de que queira mudar, apesar das críticas que Derrick recebe até hoje. 




É certo dizer que um nome diferente tiraria o peso dos ombros da banda, dando a liberdade de criação fora do espectro do Sepultura que, no seu ápice criativo, conquistou o mundo em 1996 com o sensacional “Roots”. Seria certo também prever que nenhuma das duas bandas – Sepultura e Soulfly -  conseguiria o mesmo sucesso, uma vez que os músicos estariam separados, mas havia a possibilidade de duas boas bandas coexistindo. A verdade é que uma reunião é cada dia mais e mais improvável, uma vez que os sinais emitidos de cada lado deixam claro que existe uma quantidade enorme de obstáculos a serem superados para isso ocorrer. As recentes e virulentas declarações de Gloria Cavalera rebatendo uma entrevista de Derrick Green deixam isso bem evidente, mostrando que mesmo 24 anos após a separação, as mágoas não foram definitivamente “enterradas”.