quinta-feira, 4 de abril de 2019

Metal e Coerência


Há algum tempo atrás fiz uma postagem aqui no blog chamada “Voltar ou Não Voltar: Eis a Questão...” (leia aqui) onde eu questionava o ímpeto de bandas em retornar à ativa depois de encerradas suas carreiras. Com o texto focando nas bandas nacionais, um dos casos citados foi o de Edu Falaschi, que resolveu retornar com o repertório do Angra dos anos em que esteve na banda, executando-o ao vivo em uma turnê que, de bem sucedida, extrapolou o Brasil e conseguiu até chegar ao Japão. Comentei também que, no caso do Edu, a “carreira solo” dele (vocês entenderão estas aspas mais a frente) com a sua banda Almah não se mostrou tão produtiva quanto estes shows com o material do Angra. O Almah lançou 5 albuns que não conseguiram a mesma repercussão frente aos lançados pela sua ex banda, ainda que tivessem qualidade nas composições e muito bons músicos acompanhando o vocalista. Com isso, não foi necessário muito cálculo para entender que o resultado só viria se o passado fosse revisitado. Até aí tudo bem, pois ele não foi o primeiro e nem será o último músico na Terra a fazer isso: requentar um prato antigo que todos gostam, a arriscar fazer um novo que seria uma incógnita no paladar geral...

Entretanto, é preciso ser honesto consigo mesmo e com todos a sua volta sobre isso. É notório que o músico, como qualquer um, precisa por pão à mesa, e daí não é demérito – apesar de ser um tanto oportunista – se utilizar de algo que é de sua autoria, embora não seja novidade. E daí chego no ponto que é a razão de tocar neste assunto novamente:  a entrevista de Edu Falaschi para a edição #240 da revista Roadie Crew, em janeiro deste ano, que é, no mínimo, vergonhosa. Os argumentos utilizados pelo músico para justificar esta nova fase do seu trabalho chegam a ser engraçados, uma vez que ele alega que recebeu conselhos cruciais sobre sua carreira de ninguém mais, ninguém menos, que Joe Lynn Turner, que culminaram com esta nova empreitada. Confesso que não li a entrevista na revista impressa em si, apenas a que está disponível no site (leia aqui). Não sei se o conteúdo é exatamente o mesmo, mas acredito que o online seja até melhor, pois todos podem acessá-la e confrontar com as opiniões que darei aqui.
 
O primeiro ponto a ser levantado é onde ele coloca e justifica essa nova fase como carreira solo, sendo caracterizada pela adoção do seu nome à frente do projeto. Segundo o ele, o Almah era uma banda, diferentemente do que ele faz agora. Essa concepção teria sido dada por Joe Lynn Turner num encontro em um festival no Peru em que ambos tocaram, sendo que Edu fora convidado para tocar exclusivamente material do Angra e nada de sua carreira “solo”/”Almah”. Surpreso com a receptividade do público, a cereja do bolo nesta sua decisão teriam sidos os referidos conselhos de Joe Lynn Turner. Um deles foi de que a chave do sucesso seria ele se expor como Edu Falaschi cantando o seu legado do Angra. Nas palavras do próprio Edu reproduzindo Joe: "Vai para cima, tem público para você – a galera quer o Edu do Angra”.


A primeira coisa que me vem à mente: no Almah, Edu tinha um projeto seu, autoral, e que obviamente era comandado por ele. O conceito de banda se resumia ao fato do nome que não fazia menção ou remetia a pessoa dele, o que não permitia uma identificação imediata para quem não conhecesse sua história. Mas o “x” da questão é que o direcionamento musical era dele. Partindo desse principio, fica difícil entender como ele só agora tem carreira solo – porque pôs seu nome à frente de tudo – mas executa material de outra banda. Tudo bem que ele teve músicas compostas por ele e que ele tem todo o direito de executá-las, mas vamos lembrar de que haviam outros compositores de peso na banda (Kiko e Rafael prinicipalmente) e os arranjos certamente tiveram ajuda deles ou até mesmo de toda a banda. Ou seja, é um material que embora seja dele como compositor e músico, leva o carimbo de uma outra banda da qual ele fazia parte. Isso pode até lembrar o caso de Blaze Bayley, que vai morrer cantando aquelas músicas do Iron Maiden no período em que ele esteve na banda, embora exista um significativo diferencial, uma vez que ele não abriu mão de material próprio. Alías, o próprio Blaze se lançou na carreira pós-Maiden com uma banda (Blaze), obviamente conduzida por ele, optando pela mudança anos depois e adotando simplesmente seu nome, mas ainda com uma carreira – solo - completamente autoral.

Não consigo deixar de pensar no seguinte: ou Joe Lynn Turner tirou um sarro gigantesco com seus “ensinamentos”, ou involuntariamente falou uma bobagem sem tamanho para o nosso querido Edu e ele acreditou. Falo isso porque as histórias de ambos são muito diferentes, sem paralelo que pudesse colocar os conselhos de JLT como certeiros. Para quem não sabe, JLT tem 67 anos de idade e muito mais estrada que Falaschi, já tendo tocado com Rainbow, Yngwie Malmsteen, Deep Purple, Glen Huges entre outros, isso sem mencionar sua extensa carreira solo, com seu primeiro álbum lançado no já longícuo ano de 1985. Ou seja, JLT é um músico conhecido tanto pelo seu trabalho em bandas famosas, quanto pelos seus trabalhos solos e também em projetos com outros músicos. Tem uma uma carreira consolidada, mas não por único trabalho ou banda, o que não é o caso de Edu Falaschi. É importante lembrar que a discografia de Edu nos 12 anos em que esteve no Angra é composta de apenas 4 albuns – 5 se contarmos o EP “Hunters and Prey” (o detalhe é que, desses 5 albuns, apenas 2 são bombásticos, sendo que ambos já estão sendo explorados nesta etapa solo). Ao aconselhar que o nome seria tudo para a conexão com o público, JLT só se esqueceu da bagagem que é necessária para isso. Outra bobagem sem tamanho foi a alegação do próprio JLT de que “O Iron Maiden, Metallica – 90% do repertório é coisa antiga”. Mas é a banda executando seu material antigo, coisa que o próprio Angra também faz hoje. E mais: todos continuam produzindo material novo...

Outro ponto da entrevista que é dum absurdo sem tamanho é quando Edu é questionado se a música “The Glory of the Sacred Truth”, se lançada pelo Almah não teria o mesmo efeito que teve simplesmente sob seu nome solo. A resposta é “não”, sob a alegação de que isso é curioso e afirmando que é o nome que faz a diferença (minha nossa...) pois o nome dele remete ao Angra, acionando o carinho e a nostalgia do fã (meu Deus...). É o mesmo que dizer que você ouve Judas Priest, mas não ouviria o Fight do Rob Halford (ou não se interessaria em faze-lo, pelo menos) porque o nome não faz conexão com o da (ex) banda principal (?!). Ao meu ver, isso é até meio ofensivo, pois ele estaria condicionando que o público ouve bandas mais pelo nome do que pela qualidade do material. Neste ponto pego o seguinte gancho: se no Angra haviam outros compositores ou até mesmo a própria banda na composição do repertório, podemos deduzir que o Edu e seu material sozinhos por si só não se sustentam, tendo tomado a dimensão que tomaram por conta da interferência do Angra. Na mesma entrevista, Edu afirma que o Almah atingiu um teto de repercussão do qual não conseguia passar: não seria “a qualidade do meu material sozinho atingiu um teto do qual somente o Angra conseguiu passar?”

Para finalizar, como fica o Ego nisso tudo: ao ser questionado quanto a abrir mão do orgulho em apresentar músicas novas, renegando o passado, somos obrigados a ouvir/ler um “Eu não me venderei” (?!?!). O contexto é de que não seria imposto material novo ao fã abrindo mão do antigo, apenas pela arte de criar novas canções, não havendo mal algum em usufruir de criações passadas, e que fazem parte de sua história. Ainda segundo Edu: “...ego não é algo que me aflige. Aquela coisa de: “nossa, preciso mostrar meu trabalho, pois não quero me apoiar no passado”. Lamentável ver um músico com a bagagem e experiência que ele possui recorrer a um discurso demagogo desse para justificar uma carreira “solo” baseada nas músicas da sua ex banda.


Reconheço duas coisas: primeiro, Edu é um artista talentoso e tem um material sensacional no Angra, tão importante quanto o da fase do André Matos; segundo, as dificuldades do músico com material autoral, ainda mais de Heavy Metal, são notórias no Brasil. É uma verdadeira luta, é verdade. Entretanto, não justifica um artista já estabelecido usar uma história fantástica – que não estou dizendo que seja mentira, pelo contrário – envolvendo outro artista que não conhece a realidade dos fatos. Pior ainda isso ser interpretado como um sinal divino para uma guinada na carreira, que está até se mostrando produtiva e rentável, mas que do ponto de vista artístico representa mais um artista jogando a toalha e apelando para o caminho mais fácil. É o famoso “jogar para a galera”, tocando o que todo mundo quer ouvir. Não é à toa que depois de anos de ostracismo, Sandy & Júnior vão voltar, pois o passado foi mais feliz artisticamente do que o presente, até mesmo para eles. A questão é que o Edu é muito, mas muito diferente de Sandy & Junior...