sexta-feira, 31 de maio de 2024

Eloy, Máscara e CTPS


Muitos fãs, e não só de Rock e Metal, ainda têm uma visão romântica do que é ter uma banda e viver da música. A combinação sexo, drogas, bebidas, festas e Rock and Roll dá a falsa percepção de que o início da carreira, a chegada do sucesso e o mais importante, a sua manutenção, serão cercados sempre de uma vida sem amarras a um emprego regular e as formalidades que a sociedade impõe. E como todos já tivemos a chance de ver, a coisa não é bem assim. A profissionalização do setor musical como um todo, incluindo aí o Heavy Metal, já nos deu inúmeros exemplos de que subir chapado no palco não é uma “atitude Rock n Roll”, mas uma demonstração clara de antiprofissionalismo. Bandas são empresas, e como tal empregam muita gente, movimentam muito dinheiro direta ou indiretamente, mexem com as economias locais, resultando numa clara demonstração que, mesmo com o espírito roqueiro, é impossível fugir do sistema que tanto se abomina quando se é um adolescente rebelde.

E o que isso prova? Músicos também são empregados, e também têm expectativas de carreira, muitas das vezes almejando uma ascensão profissional similar a um empregado numa empresa, com cargo e remuneração melhores. Já falei dessas similaridades entre Rock e negócios aqui, e a bola da vez é Eloy Casagrande com sua saída do Sepultura e a ida - agora confirmada – para o Slipknot. Para quem não sabe, Eloy deixou o Sepultura de maneira “repentina” e não muito tranquila, às vésperas do início dos ensaios para a turnê mundial de despedida da banda. Não se sabe exatamente quão abrupta foi essa saída (daí as aspas acima) mas a impressão que ficou é que não foi amigável, fato esse reforçado por declarações do Andreas Kisser em entrevistas posteriores, isso sem mencionar o tom amargo do comunicado oficial da banda. O que se pode deduzir é que isso já deveria estar rolando (em sigilo) há algum tempo e sem a banda saber e, quando finalmente houve uma resposta (ou convite), Eloy avisou que estava de partida. Creio que, por uma ironia do destino, esse “timming” foi o pior possível, fazendo com que parecesse que Eloy estava abandonando o Sepultura, sem mais nem menos, num momento meio que crucial para a banda.

Analisando friamente, é aquela oportunidade de emprego dos sonhos, que não tem hora certa para aparecer, mas quando surge, você não pode deixar passar. E essa surpresa nem sempre te dá tempo de fechar devidamente um ciclo para começar outro. O fato do Sepultura estar numa tour de despedida já dava uma razão para a saída: afinal, a “empresa” atual já estava com dia e hora marcados para fechar as portas. Além disso, o encolhimento estrutural e artístico do Sepultura depois da Saída de Max Cavalera (lembrando que o Igor saiu 10 anos depois) redefiniu o tamanho da banda do cenário mundial, fazendo-os regredir a um patamar por onde a banda já havia estado, com shows e tours menores, isso sem mencionar a relevância na cena como um todo. Já o Slipknot, cuja história se inicia em 1995, quase que paralelamente ao fim da fase clássica do Sepultura (1996), se transformou numa banda mundialmente gigantesca, embalada pelo boom do New Metal na década de 90. Em termos de relevância e tamanho, é uma banda comparável ao Metallica, lotando estádios e tendo grande penetração no público jovem. Para se ter uma idéia, o Slipknot, tal qual o Metallica, já deu ao luxo de ter um festival próprio: enquanto o Metallica teve seu Orion Festival entre os anos de 2012 e 2013, e o Slipknot tem o seu Knotfest ativo até hoje, desde 2012.

Não é a primeira vez que músicos brasileiros aproveitam oportunidades únicas em bandas estrangeiras, e isso é algo que deve ser celebrado. Afinal de contas, esse reconhecimento externo, mesmo com o mercado de lá recheado de bons músicos, é a prova de que o cenário nacional é profílico em termos de talento. Para quem não lembra, Aquiles foi convidado para teste no Dream Theater quando da saída de Mike Portnoy. Não entrou, mas teve a visibilidade necessária para outros convites, tanto que já tocou com Tony MacAlpine (antes mesmo do teste no DT) e ainda é baterista há alguns anos nas tours do W.A.S.P., do folclórico Blackie Lawless. Andreas Kisser quase foi parar no Metallica (sim, meus amigos, isso foi foda!) quando do acidente pirotécnico de James Hetfield na tour com o Guns n Roses na década de 90, perdendo a vaga apenas para o Roadie do James, que já era da casa... Depois disso, efetivamente tocou no Anthrax substituindo temporariamente Scott Ian que precisou se afastar um tempo da banda. O caso mais recente é de Kiko no Megadeth, que para tal acabou tomando a decisão de abandonar o Angra, onde esteve desde sua fundação e fez história.

Um outro fator que coloco nessa equação de músicos brasileiros no exterior, mas que pouco se releva nos debates, é a estrutura e o tamanho da indústria do Metal nacional. Embora tenha havido uma enorme evolução do seu início na década de 80, definitivamente ainda não conseguimos nos igualar ao que é praticado no exterior. E isso também engloba o público e o consumo de música como um todo: mídias (física e digital), livros, revistas, shows, merchandising e etc., ou seja, todo o suporte que as bandas necessitam para continuarem a existir. Infelizmente ainda nos deparamos com shows internacionais cheios e bandas locais lutando para conseguir sair dos circuitos nos grandes centros, sem conseguir expandir seus horizontes. Como ainda não temos uma cena forte, qualquer oportunidade gringa acaba se mostrando uma escolha quase óbvia, exatamente como o Eloy acaba de fazer.