Com o recente lançamento do novo álbum “The Sick, The Dying...
and the Dead”, o Megadeth deu um passo significativo para consolidar o que já
era de conhecimento geral, embora muitos ainda insistam em dizer que não: o
Megadeth, num contexto geral, já superou em muito o Metallica.
O novo lançamento do Megadeth é uma belíssima obra de Thrash
Metal, obviamente capitaneada por Dave Mustaine, mas muitíssimo bem amparada
por uma banda afiada que reúne hoje talentosos músicos, promissores em termos
de produtividade e também de longevidade. É notório que Mustaine sempre teve
fama de difícil, ainda mais pela alta rotatividade de músicos na banda, embora não
seja bem isso. Ainda que seja bem óbvio o fato de quem manda na banda é ele, quem
conhece a história do grupo sabe que apesar da fase da bebida e drogas,
Mustaine pouco a pouco profissionalizou a banda, culminando no clássico “Rust
in Peace” (1990) e colocando o Megadeth definitivamente entre os grandes nomes
do Thrash mundial. Depois de um período de bonança, a partir de 1997 ocorreram novas
trocas de músicos, problemas de saúde Mustaine e até um fim temporário da banda.
Mas não foi o fim e o
Megadeth seguiu forte, com Dave Mustaine tendo hoje um surpreendente ex-Angra
nas outras seis cordas – Kiko Loureiro – numa inusitada parceria que já havia
rendido excelentes frutos no álbum anterior (“Dystopia”, 2017) e que agora
simplesmente elevou a banda a um novo patamar. Na bateria, Dirk Verbeuren, que
ocupou o lugar do temporário Chris Adler (que gravou “Dystopia”), e no baixo,
com a derrocada e a demissão de Dave Ellefson, tivemos o retorno de James LoMenzo,
que já havia tocado na banda anteriormente. Entretanto, após a demissão de
Ellefson, as linhas de baixo no novo álbum, que já estavam finalizadas, foram integralmente
refeitas pelo “monstro” Steve Di Giorgio, atual Testament.
O curioso, na minha opinião, é que mesmo com toda a sorte de contratempos, Mustaine sempre manteve a banda em atividade e produzindo música com uma incrível regularidade de álbuns e de – o mais importante – qualidade. De 1985 até hoje, MegaDave lançou 16 albuns de estúdio, enquanto o Metallica, de 1983 até então, lançou apenas 10 discos, sendo o último em 2016, ou seja, quase 6 anos atrás. Mas como quantidade não é sinônimo de qualidade, precisamos entender melhor o que faz do Megadeth superior, pelo menos na humilde opinião deste que vos escreve.
É óbvio que o trunfo do gigantismo do Metallica se baseia em
dois pilares: a excepcional trinca de álbuns com que iniciou sua carreira: “Kill
Em’ All” (1983), “Ride the Lightning” (1985) e “Master of Puppets” (1986), que
ajudaram a sedimentar a base do Thrash Mundial; e a “catapultada” ao estrelato
com o megaplatinado “Black Album” (1991), que jogou a banda para fora da bolha
do Thrash Metal, tornando-a popular no mundo todo. Essa combinação de fatores
(mérito da banda, é preciso admitir) transformou o Metallica numa espécie de U2
do Heavy Metal, colocando-os num patamar onde não tem de provar mais nada para
ninguém, podendo fazer o quiser da vida em termos musicais. Mas as coisas não
são assim tão simples, pois essa liberdade não se mostrou tão benéfica assim
para a banda: toda a produção da banda pós Black Album (“Metallica”, na
verdade), não teve a mesma qualidade do passado glorioso, quase sempre
acompanhada de alguma polêmica e, claro, críticas.
Foi assim com os dois irmãos “Load” (1996) e Reload” (1997),
onde a banda chutou o balde no visual e no som (calcado no Rock n Roll e bem
distante do Thrash de outrora), numa combinação que divide opiniões até hoje.
Para quem conhece a história, estes 2 seriam um álbum duplo, o que só não
ocorreu por recusa da gravadora. Mesmo assim, soariam melhor como um único
disco, já que existe muito material não tão bom assim em ambos. Na sequência,
temos um álbum que tem uma rejeição unânime: “St. Anger” (2003) é não só o pior
álbum da banda, mas também uma das maiores porcarias já lançadas dentro da
música pesada. Músicas ruins, produção ruim, clima na banda idem. Passados 5
anos, chega “Death Magnetic” (2008), que se por um lado trás a banda de volta
ao som pesado, por outro lado apresenta músicas longas em demasia e com uma
produção saturada, tornando a audição do disco muito incômoda. Oito longos anos
se passam e “Hardwire to Self Destruct” (2016) chega no formato duplo, tendo o
mesmo problema dos irmãos “Load”, onde um único disco seria mais bem vindo,
dando razão àquela máxima “menos é mais”.
É óbvio que o Megadeth também tem seus esqueletos no armário dentro de sua discografia. Pelo menos 3 discos representaram “escorregadas” na carreira da banda: “Cryptic Writings” (1997), “Risk” (1999) e “Super Collider” (2013) foram acidentes de percurso, com a banda – leia-se Dave Mustaine - tomando decisões equivocadas em termos musicais, e que obviamente representaram fracasso de crítica. De todos, esquecível mesmo é “Risk”, que representou uma tentativa frustrada de tornar a banda mais popular (sempre isso...). “Crush ‘Em”, 3ª faixa desse disco, é uma das maiores bobagens já escritas pela banda e comprova o espírito pouco inspirado desse álbum.
Daí a Matemática entra em ação: tirando 3 de 16, sobram 13
álbuns onde Mustaine ou manteve a média, ou então gerou clássicos. Sim, clássicos!
O Megadeth, assim como o Metallica, também gerou uma trinca celestial: “Peace
Sells... But Who´s Buying” (1986), “Rust in Peace” (1990) e “Countdown to
Extinction” (1992) também sacudiram as estruturas da cena pesada quando dos
seus lançamentos. Diferentemente do Metallica, que tem seus clássicos em sequência,
no início da carreira e calcados na fase Thrash da banda, o Megadeth o fez mais
para a frente e mostrando um amadurecimento e variedade maiores, principalmente
em “Countdown to Extinction”, já não tão veloz quanto seus antecessores. É como
se “Peace...” mostrasse a banda furiosa e crua, “Rust...” a fúria junta de uma
técnica impressionante e “Countdown...” evoluísse tudo isso com melodia.
Ainda na Matemática, se de 13 tirarmos 3, temos 10 albuns
cuja média é suficiente para manter a banda como uma das mais eficazes na cena,
mesmo decorridos 37 anos de carreira. Alguns discos, mesmo não sendo clássicos,
ostentam o status de excelentes: “So Far... So Good... So What!” (1988), na
minha opinião, foi o álbum que consolidou Dave Mustaine como um dos
guitarristas mais criativos da geração Bay Area, posando ao lado de James
Hetfield, Scott Ian, Alex Skolnic e Gary Holt. O disco é uma saraivada de riffs
maravilhosos, que ficaram ainda melhores nas versões remasterizadas desse
disco. Outro disco digno de nota é “Youthanasia” (1994), que na minha opinião
foi uma evolução natural do anterior (“Countdown...”) embora um pouco diferente
em termos de brilho, mas mesmo assim um disco maravilhoso, com composições
inspiradas e uma das melhores capas da banda. “The World Needs a Hero” (2001) é
um ótimo disco, embora eu ache que ele seja subestimado na discografia da
banda. “United Abominations” (2007), “Endgame” (2009) e “TH1RT3EN” (2011) se equivalem
em termos de qualidade, sendo ótimos discos.
Fechando a conta, com a chegada de “The Sick, The Dying and
the Dead”, fica clara a qualidade do catálogo da banda e possibilidade de não
depender exclusivamente dos clássicos nos shows. O disco novo é furioso,
técnico, pesado e em alguns momentos muito rápido, sendo uma grande promessa ao
vivo. Ou seja, a banda ainda aposta num som vigoroso que o Metallica não quer
(ou não consegue mais fazer), o que fica evidente numa comparação com “Hardwire
to Self Destruct”, disco que tenta trazer a vibe “Kill ‘Em All” em alguns momentos,
mas sem muito sucesso. Entretanto, o tamanho que o Metallica atingiu hoje é
algo difícil de competir: a prova disso, num exemplo recente, é a penetração
que a banda conseguiu em um público mais amplo e completamente fora do Metal,
com a (re)descoberta da música (“Master of Puppets”) num seriado da Netflix.
Uma coisa que sempre tive em mente é o seguinte: Dave
Mustaine não saiu (ou foi “saído”) do Metallica por causa de drogas e bebida. Ele
saiu porque era um gênio, e a banda já tinha dois nela. Ainda que a história
mostre que o problema era mesmo entre ele e Lars Ulrich (que tinha ciúmes da
amizade dele com James), se ele não tivesse sido chutado antes do “Kill ‘Em
All” ver a luz do dia, inevitavelmente ele o seria mais para frente, isso se
não percebesse por si só que não teria espaço suficiente na banda e saísse por
vontade própria. Me pergunto como teriam sido as coisas se Dave passasse apenas
mais alguns anos a mais no Metallica. No fim das contas, para nossa felicidade,
ainda no banco daquele ônibus após ser expulso, ele teve a visão e descobriu o
nome da banda que ia chutar o traseiro do Metallica: MEGADETH!
PS.: Se você, caro leitor dessas mal traçadas linhas, achar
que isso tudo é bobagem, delírio de um fã idiota e cego, sugiro um exercício:
coloque a faixa “Wake Up Dead” do “Peace Sells...”, feche os olhos e ouça o
solo feito aos 2min46seg.
Quem fez aquilo não estava para brincadeira.
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