O Rock in Rio 2019 (cuja edição terminou há um porrilhão de tempo mas eu não postei este texto), pode facilmente ser classificado entre as piores, senão a pior edição
de todas. Salvou-se apenas pelo dia do Metal, que conseguiu, mesmo com
repetições de elenco, trazer a sensação de que se o festival não é
exclusivamente de Rock, é nele que ainda reside o espírito do evento em si. A
parte “não Metal” do festival desta vez se superou negativamente – e olha que
curto pop e geralmente me divirto também vendo no RIR outros shows de artistas
que nada têm haver com Heavy Metal - mas
desta vez foi muito difícil. A parte internacional ainda teve poucas gratas
surpresas: H.E.R. foi a melhor, com fortes semelhanças com Alicia Keys; Seal,
artista veterano e de muito talento que também não fez feio, e com boa vontade,
a banda comédia do ator Jack Black (Tenacious D), que divertiu, embora tenha
desnecessariamente ocupado o lugar de algo maior e melhor no palco Mundo. De
resto, muito pouco se salvou, com a ala nacional se superando em ruindade. Até
hoje não entendo o que fazem com Elza Soares, chegando a ser mórbido vê-la no
palco naquelas condições. Mesmo que seja por vontade própria, não deixa de ser
muito estranho. Outra esquisitice foi unir uma orquestra com funk, numa junção
de doce de leite com jiló simplesmente absurda. Vale a pena deixar registrar o
engodo da Anitta, que fez playback e pôs a culpa na dança, enquanto a cantora
americana PINK foi lá, fez a mesmíssima coisa e levou tudo no gogó. Palmas novamente
para o público brasileiro, que gosta de ser enganado e ainda aplaude.
Dentre o dia iluminado (?), tivemos muitas surpresas, até
mesmo naquelas que não eram novidades no festival. O dia começou no placo
Sunset com o trio Nervosa, que já é uma banda que vem se destacando muito na
cena. O Thrash das meninas é nervoso (impossível não fazer este trocadilho!) e
elas mandaram muito bem, com um som que mescla muito bem velocidade, cadência e
muito, mas muito peso. O único porém do show delas é o excesso de caretas da
vocalista e baixista Fernanda Lira: não sei se ainda é ansiedade (embora a
banda já tenha estrada e experiência suficientes), mas a verdade é que chega
uma hora em que fica muito caricato. Se ela trabalhar isso, o show delas ficará
ainda mais brutal, pois carisma ela tem de sobra.
Na sequência, Torture Squad + Claustrofobia e o convidado
Chuck Billy (Testament). Apesar da combinação brutal, particularmente acho
essas que junções são desnecessárias. Se cada banda tivesse o seu set
independente seria muito melhor, uma vez que ambas, nesse caso, nunca tocaram
no RIR. Claro que ter Chuck Billly no palco foi sensacional, mas o Testament já
esteve no Brasil outras vezes e ver um show completo dos americanos seria muito
melhor do que apenas 3 músicas do vocalista com uma banda de apoio. Apesar
disso, o show das bandas foi muito bom, com destaque para o Claustrofobia e o
peso absurdo do seu som.
Trocando de palco, o Sepultura iniciou os trabalhos no palco
Mundo. Confesso que não vi o show e obviamente não irei comenta-lo. Soube da
execução de uma música nova do vindouro álbum “Quadra”, a ser lançado em
fevereiro de 2020. Sinceramente, mesmo depois de inúmeras tentativas de gostar
da banda com Derrick Green nos vocais, nunca o consegui. Os vocais dele são
ruins em estúdio, são ruins ao vivo, piorando mais ainda nas músicas antigas.
Claro que esta é minha opinião em particular e a banda ainda tem seus fãs, mas
não foi por falta de esforço. O instrumental da banda melhorou muito de uns
anos para cá, mas a parte vocal não funciona, pelo menos para mim.
Voltando ao Sunset, já com a noite chegando, os americanos
do Anthrax entregaram uma performance simplesmente destruidora. Mostraram com
folga que experiência e domínio de palco não se consegue da noite para o dia.
Com um set list calcado nas músicas antigas, a banda teve o público na mão do
início ao fim. Depois de ver o Whitesnake (falo deles mais a frente), confesso
que estava um pouco preocupado com Joey Beladonna, uma vez que ele tem 59 anos
e temia que o peso da idade começasse a se fazer sentir. Felizmente, eu estava
completamente errado e o cara continua mandando muito bem, com uma movimentação
intensa e agitando a galera. Na parte vocal também – óbvio, alguns tons mais
altos não são mais como antes – mas ele contornou isso muito bem. O restante da
banda também merece elogios, com destaque para Charlie Benante, que é um
baterista monstruoso. Ótimo show.
Passado o turbilhão Anthrax, o palco mundo recebia o
Helloween. Confesso que esperava muito este show, uma vez que um dos vocalistas
mais brilhantes que já vi na vida era da banda e estava de volta: Michael Kiske.
O material da fase dele é sensacional (até mesmo os mais polêmicos, como aquele
nos dois albuns que antecederam sua saída do grupo) e estava ansioso para vê-lo
atualmente ao vivo. Apesar de uns kilos a mais e uma bela careca, a voz está lá
e ele simplesmente destrói. E é nesse ponto que vi um problema, apesar de ter
achado bacana a postura da banda em manter Andi Deris e fazer a divisão dos
vocais. Andi já tem 25 anos de estrada com o Helloween e ajudou a banda a se
reerguer na fase pós Kiske, em que obviamente muita gente virou as costas para
eles. Entretanto, Deris vem de uma banda de Hard Rock e não tem nem de longe o
alcance de Kiske (o que lhe rende até hoje um bocado de problemas na hora de
executar as músicas antigas). Ao dividi-las, ele se livrou de um peso, mas a
disparidade vocal de ambos fica absurdamente evidente no palco. Isso não tira o
brilho do show (que foi espetacular por sinal), mas não deixa de ser um
incômodo. Além de Kiske, Kay Hansen também voltou e brindou o público com “Ride
the Sky”, do clássico “Walls of Jericho”. Impossível não mencionar as faixas
dos Keeper´s – das 10 executadas, 6 foram deles – o que tornou o show
fantástico. Resta agora aguardar o novo álbum que a banda estava preparando,
cuja gravação interrompeu apenas para cobrir a vaga deixada pelo Megadeth e nos
presentear com este magnífico show.
De volta ao Sunset, era hora deles, os mestres máximos do
Thrash Metal: SLAYER! Na sua segunda vinda ao RIR, os americanos estão em sua
turnê final e este provavelmente foi o último deles por aqui. Particularmente,
sou a favor de que a banda realmente acabe e saia por cima. “Repentless” pode
não fazer frente aos clássicos do passado, mas é um disco típico da banda, que ao
vivo ainda é destruidora. Acho curioso que a banda conseguiu uma aura em torno
de si que nenhuma outra conseguiu, um misto de respeito e admiração... Parafraseando
Gastão Moreira (Canal Kazagastão no YouTube, cujo link segue aqui), o “Slayer é
uma banda que ainda dá medo!” Não há muito a dizer e que não tenha sido dito
antes: clássico atrás de clássico, numa apresentação irrepreensível. Pena que o
palco não veio completo como o dos shows lá fora, sem nem ao menos os lança
chamas. Mesmo assim foi inesquecível e o público se acabou. Destaque para o
primeiro contato de Araya com o público: “E aí, porra!”. Vão deixar saudades...
Findo o Slayer e os shows do Sunset, o Iron Maiden explodia
“Doctor Doctor” do UFO nos amps como introdução no palco mundo. Minhas expectativas
estavam reduzidas pelo fato de que o Iron Maiden toca muito frequentemente no
Brasil, sendo esta a quarta vez deles só no RIR (1985, 2001, 2013 e agora em
2019). É impossível não ter a sensação de o espaço poderia ser ocupado por
outro nome, mas o velho dilema do apelo comercial sempre fala mais alto. Some-se
a isso a crise musical que assola a cena hoje, onde não existem bandas
passíveis de sucederem medalhões como o próprio Iron, por exemplo, e daí temos tantos
retornos. O engraçado é que assisti, ao vivo pela TV, apenas as 2 primeiras
duas músicas e fui dormir. No dia seguinte, ao assistir o restante do show,
fiquei estupefato com a apresentação como um todo! Primeiro ponto a ser
celebrado: apesar da média de idade dos músicos girar em torno de 64 anos, a
banda ainda não demonstra sinais de cansaço, com as músicas executadas com a
perfeição costumeira. Isso mencionar Bruce Dickinson, que mesmo depois de
vencer um câncer continua afiadíssimo e com um carisma que coloca o público em
suas mãos. Outro detalhe positivo foi o perfil da turnê que prioriza sons
antigos, resgatando algumas pérolas como “Where Eagles Dare”, “Flight of
Icarus” e “Iron Maiden”. Show histórico e que deu um banho em muita coisa nova
por aí....
O Scorpions é um daqueles casos de banda que já fez tour de
despedida e na hora “H” não parou... mas deveria. Numa daquelas coisas que não
tem explicação, eles foram eleitos em um site de notícias (G1) como o melhor
show do festival (?). Piadas à parte, só não foi pavoroso porque as músicas são
maravilhosas por si só, mas Klaus Meine simplesmente não consegue mais
canta-las... Apoiado no pedestal do microfone como se fosse uma muleta, o
vocalista simplesmente mostrou cansaço e falta de pique contagiantes. Não vi o
show todo (não deu por razões óbvias), mas “The Zoo” e “Rock You Like a
Hurricane” ficaram muito abaixo das versões originais. Quem viu o show da banda
no RIR de 1985 lembra a correria desenfreada dos caras e a energia das músicas,
sem duvida estranhou muito o marasmo desta apresentação. A única exceção é o
baterista e ex-Motorhead Mike Dee, que se esforça para dar algum dinamismo a
coisa toda, mas bem diz o ditado: “uma andorinha só não faz verão”.
No 1ª etapa do RIR, na semana anterior, tivemos o
Whitesnake. Ao contrário do Scorpions, o show da Cobra Branca foi incendiário,
e teria sido perfeito se não fosse um pequeno detalhe: David Coverdale, o
vocalista, não consegue mais cantar! Todos os refrãos são cantados em uníssino por 4 dos 5 músicos da banda – apenas
o batera Tommy Aldrige não faz backing vocals – numa situação que chegava a ser
hilária em alguns momentos. “Burn” (sim ele fecha o show com isso, uma música
clássica do Deep Purple e com tons altíssimos) foi escancarada, pois ele simplesmente
não consegue mais fazer um décimo do que fazia no passado, e a banda canta o
refrão por ele! Este foi o caso mais crítico, mas praticamente todas as músicas
do set se utilizaram desse recurso, enquanto Dave executava sua performance que
tentava mascarar um pouco as coisas. Fora esse “pequeno” detalhe, o show foi
maravilhoso, com a banda afiadísssima (Tommy Aldrige é um monstro, mesmo aos quase setenta anos de
idade!) e um repertório infalível. Mais um caso em que a hora de parar talvez
tenha chegado, ainda que o espetáculo tenha valido a pena. A questão é: até
quando?
No geral, a cada edição fica evidente a pouca renovação que
a música vem tendo nos dias de hoje. A necessidade de repetição de nomes –
leia-se Headliners – que o festival tem praticado reflete-se não somente em
agendas conflitantes, mas também na dificuldade de grandes nomes que o façam,
dentro e fora do Heavy Metal. Na minha opinião, o Metal ainda é um estilo que
ainda oferece opções aos Medina fora a trinca Iron Maiden/Metallica/Guns n`
Roses, já tão explorada. Saxon, Accept, Kreator, Dream Theater, Judas Priest,
Testament, Exodus, Nightwish, Epica, Machine Head e muitas mais outras bandas
ainda seriam um chamariz e tanto para o dia específico do Rock de verdade. Na
parte pop, realmente se faz necessário um alinhamento com o gosto popular, uma
vez que não há aquela fidelidade ao artista, e sim ao que está na moda. O
problema que o Pop de hoje não tem um décimo sequer da qualidade que tinha nas
décadas de 80 e 90. Em termos de Brasil, basta lembrar que o “sucesso” daqui é
representado por Anitta (?) e Pablo Vitar(?!?)... que a música descanse em
paz.