Antigamente, montar uma banda no Brasil não era uma das
tarefas mais fáceis. Para começar, era muito difícil comprar instrumentos
nacionais de qualidade, pois eram caros. Importar então, nem se fala. Discos e
revistas estrangeiros não chegavam aqui, não havia publicações nacionais, havia
poucas lojas e selos especializados no estilo e, é claro, ainda não havia
Internet. Este cenário de terror do início dos anos 80, entretanto, não foi suficiente
para barrar o surgimento da cena metálica brasileira, em especial a mineira,
que em meio a um boom de bandas de diversos estilos, viu nascer o seu maior
representante: o Sepultura. Num misto de batalha, talento e sorte, a banda
conseguiu crescer a ponto de ultrapassar nossas fronteiras e fazer sucesso,
aqui e no exterior, durante quase uma década. Nesse período, a banda seguiu
numa crescente de sucesso e reconhecimento, levando ao mundo o metal nacional,
até que as famigeradas diferenças separaram a banda. Apesar da realidade muito diferente
de hoje, com uma maior facilidade de recursos, informações e uma cena numerosa
(ainda que, com características bem diferentes), é certo que não teremos nunca
mais um novo Sepultura. Os ventos do passado pararam de soprar e os músicos,
apesar de ainda na ativa, trilham hoje caminhos diferentes.
Para quem eventualmente não saiba – a galera mais jovem
talvez - o Sepultura foi simplesmente o maior nome do Metal nacional em todos
os tempos e, proporcionalmente, um dos maiores nomes da música brasileira a
nível mundial. Apenas outros poucos nomes no Brasil conseguiram repercussão
parecida dentro do Metal mundial: Angra, Ratos de Porão e Krisiun talvez sejam
os mais expressivos, com reconhecimento e turnês internacionais bem sucedidas. Mas
entre o fim dos anos oitenta e a primeira metade dos anos noventa, o Sepultura
reinava absoluto, com uma sequência de álbuns clássicos lançados e excursões
pelo mundo com nomes do primeiro escalão do Metal, numa fase áurea que sucumbiu
à separação da banda em dezembro de 1996. De lá para cá, as coisas nunca mais
foram as mesmas, e é óbvio que os rumores de uma volta da formação clássica
nunca cessaram desde então, embora não haja nenhum indicativo de que um dia
isso irá acontecer.
Do nascimento ao reconhecimento, o Sepultura foi brilhante,
até mesmo na sua fase mais tosca (1985-1986) onde o EP “Bestial Devastation” e
o LP “Morbid Visions” eram a expressão do Death Metal que começava a invadir a
cena mundial (futuros medalhões como Death, Morbid Angel, Obituary e Deicide
também estavam iniciando suas carreiras) e que a banda se encarregava de lançar
por aqui. Me recordo até hoje do impacto de ouvir o EP de estréia, algo
totalmente inédito em termos de Brasil. O espanto aumentou ainda mais em 1987,
com a mudança na formação que trouxe Andreas ao grupo e o lançamento do
sensacional “Schizophrenia”, com a banda tendo uma evolução técnica espetacular
– Igor principalmente – e apresentando um Thrash Metal soberbo. Com a
repercussão do álbum aqui e lá fora (que foi até pirateado e lançado no
exterior sem o consentimento da banda) o Sepultura começou sua jornada ao
sucesso internacional, que viria no álbum seguinte, o estrondoso “Beneath the
Remains” (1989). Gravado por aqui mas com um produtor americano, o disco foi o
pulo do gato para a banda, com direito a vídeo veiculado na MTV (“Inner Self”)
e a primeira tour gringa, como openning act para os alemães do Sodom.
Com uma evolução crescente no som e na postura em palco, o
Sepultura começava a ter mais e mais apoio da gravadora. Para o álbum seguinte
(“Arise”, 1991) o grupo teve a oportunidade de gravar na Flórida, no templo do
Death / Thrash metal mundial, o Morrissound Studios. Não é preciso nem dizer
que o disco é clássico de ponta a ponta e os colocou em definitivo no cenário
mundial. A banda passou a ser vista regularmente nos principais festivais
europeus e via seu nome cada vez maior também nos EUA. Coroando o sucesso
obtido com extrema ousadia, os 2 albuns seguintes (“Chaos A.D. de 1993 e “Roots”
de 1996) foram lançados e chocaram o mundo com uma mudança de direcionamento,
focada mais no peso e menos na velocidade, com a inclusão de elementos tribais
extremamente bem encaixados. Os 2 discos foram maravilhosamente bem recebidos,
apesar de algum estranhamento por parte dos fãs mais radicais num primeiro
momento. Mas com o sucesso vieram as discordâncias, ciúme e desentendimentos,
que culminaram com a separação de uma das maiores bandas do Metal mundial.
Ao se separarem, Max Cavalera e o restante da banda tiveram resultados
bem distintos, tendo apenas em comum o fato de que a relevância obtida com o
Sepultura original nunca mais foi alcançada por nenhum deles. Entretanto, é
notório que Max, por diversos fatores, foi mais bem sucedido que Andreas e cia.
Max montou o Soulfly, que apesar do vacilante New Metal no início de carreira (mais
ou menos do ponto onde “Roots” parou, mas sem o mesmo brilho), hoje segue forte
no Thrash Metal com alguns álbuns realmente muito bons. Além disso, depois de
10 anos sem falar com o irmão Igor, ambos reataram e montaram o Cavalera
Conspiracy, que junto com o Soulfly, também desfruta de boa repercussão a nível
mundial. As razões para este sucesso talvez estejam ligadas ao fato de que, ao
sair, Max levara consigo a empresária / esposa (alvo da discórdia), a gravadora
e toda a estrutura de que a banda dispunha. Some-se a isso ao fato de residir
em Phoenix (Arizona), o que tornou mais fácil manter seu nome em evidência dada
a proximidade dos grandes mercados, mesmo sem estar com o Sepultura por trás de
tudo.
Quanto ao Sepultura restante, inicialmente um trio com Andreas,
Paulo e Igor começando do zero pela saída de Max, não havia outra alternativa
senão encontrar outra voz para a banda. Depois de uma seleção estranha - onde
Chuck Billy do Testament não foi aprovado (penso se eles não se arrependeram
disso depois...) - a banda optou pelo ilustre desconhecido Derrick Green, um
americano com background no Hardcore (e
que até hoje não vejo ter conexão com o som da banda) para assumir as vozes, com
a dura missão de ajudar o Sepultura a se reerguer. É óbvio que a resistência
dos fãs xiitas ao novo vocalista e o material de qualidade muito inferior ao
que a banda fazia no passado fizeram o Sepultura penar para se levantar. E
mesmo depois de 20 anos e oito álbuns de estúdio após a separação (sendo que Igor
tocou apenas nos 4 primeiros e depois saiu) o Sepultura não conseguiu o mesmo
êxito de Max, levando muito tempo até para mesmo para conseguir engrenar novamente
as turnês internacionais. Aproveito para deixar registrado aqui que “Against”
(1998), 1º álbum pós separação, é uma das coisas mais pavorosas que eu já ouvi
até hoje, sendo pior até que “Soulfly”, 1º álbum do Max, que era absurdamente
calcado naquele Metal pula pula que dominava as paradas americanas na época.
Muito se discutiu se Andreas deveria continuar com a
bandeira “Sepultura”. Como na época Max abriu mão do nome e Igor ainda estava
na banda, foi natural que assim continuassem. Só não contavam com o fato de que
isso fosse aplicar-lhes um peso ainda maior, face a expectativa de público e
crítica quanto a qualidade do novo material. A escolha equivocada do vocal e a
fraca repercussão dos 3 primeiros álbuns pós separação (“Against” de 1998,
“Nation” de 2001 e “Roobarck” de 2003) eram o indício de que as coisas não
iriam melhorar. Apesar da evolução em “Dante XXI” em 2006, banda nunca
conseguiu decolar novamente, com uma base restrita de fãs e de repercussão, bem
menor do que se via no passado. Além de Derrick não ser o vocalista adequado –
reclamação recorrente dos chamados “viúvas do Max” – ao meu ver a banda também
errou quando continuou com apenas uma guitarra. Não é difícil perceber como o
som do grupo se perde nas músicas mais antigas (muito mais complexas) e que,
sem uma 2ª guitarra, torna isso muito mais evidente. Talvez até mesmo por isso
a banda tenha passado a optar por estruturas mais simples nas músicas, com os
intrincados riffs do passado sendo deixados de lado.
Apesar de melhor sucedido, Max também tem seus problemas:
com uma voz ao vivo que atualmente já não mostra o mesmo vigor de outrora,
talvez em função de uma condição física já não mais muito favorável, seus shows
têm caído muito de qualidade. Por outro lado, Ig(g)or continua um grande
batera, embora tenha evoluído seu estilo para algo mais simples, em função
talvez dos anos no Sepultura após a saída do irmão, onde a banda simplificou a
estrutura das músicas. Com isso, o material do Sepultura – principalmente dos
álbuns mais técnicos - também sofre nas mãos dos irmãos Cavalera quando
executado ao vivo. Com base nisso, fica realmente a dúvida de como seria uma
reunião da banda, pois a expectativa do passado se chocaria brutalmente com a
realidade dos músicos hoje.
Atualmente o Sepultura segue em turnê do seu 8º álbum
(“Machine Messiah” de 2017) e conta com Derrick Green vocais, Andreas Kisser na
guitarra, Paulo Jr no baixo e Eloy Casagrande na bateria. Max está prestes a
lançar o 11º álbum de estúdio do Soulfly (“Ritual”) que conta também com Marc
Rizzo na guitarra solo, Zyon Cavalera (seu filho) na bateria e Mike Leon no
Baixo; O Cavalera Conspiracy, além de Max e Igor, conta também com o mesmo Marc
Rizzo e mais o baixista Johny Chow. A banda lançou seu 4º álbum, Psychosis, em
2017.
Apenas uma coisa é certa, enquanto a reunião não
vem: das cinzas do Sepultura original brotaram 3 novas e distintas bandas,
capazes de agradar a Gregos e Troianos. É questão de apenas aproveitar o que
for do seu gosto.
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