quinta-feira, 22 de março de 2018

O Fim do Slayer


Com um atraso inconscientemente proposital, falo aqui do fim do Slayer. Afinal de contas, esta notícia deixou a mim e a milhões de fãs tristes pelo mundo, mesmo sendo algo inevitável, como tudo nesta vida. Entretanto, apesar da tristeza, não serei incoerente, pois já manifestei aqui a minha vontade de que a banda já tivesse parado tempo atrás. A verdade é que quando anúncio saiu, doeu mais do que eu imaginei... Mas reafirmo que a decisão é sábia e a banda sai por cima, ainda como um dos nomes mais violentos dentro Thrash Metal que ajudou a construir com outros nomes seminais do estilo. Mas é uma pena, pois mesmo depois de 35 anos, a banda ainda consegue o mesmo efeito hipnótico no público ao subir no palco e tocar “Raining Blood”, “Hell Awaits”, “Black Magic”, “South of Heaven”, “War Ensemble”, “Angel of Death”, “Dittohead” e tantos outros hinos atemporais do estilo único da banda. É aquele negócio: começou a tocar, você já sabe que é Slayer.


Tive meu primeiro contato com a banda, se não estou enganado, em 1984. Era a época do famoso “Tape Trading” (troca de fitas K7 com gravações dos lançamentos à época, que todo mundo copiava de todo mundo), que se era forte nos EUA e Europa, imagine aqui, onde só se tinha acesso ao era lançado pelos importados, que eram absurdamente caros. Com isso, o jeito era esperar alguém comprar o disco e fazer uma cópia em K7. Mas no caso do Slayer, foi diferente: o debut “Show No Mercy” já havia saído lá fora, mas como no Brasil absolutamente nada era lançado, consegui ouvi-lo via um piratão tosco em vinyl, que até hoje não sei quem lançou por aqui: a capa era preta, com o bode e a logo reduzidos, no verso apenas os nomes das musicas e o disco tinha com um selo amarelo sem nada escrito (o mesmo aconteceu com “Ride the Lightning” do Metallica). Quanto a gravação, apesar de obviamente ruim, serviu para introduzir a violência latente da banda na época, onde ninguém havia alcançado aquele nível de fúria e velocidade. Músicas como “Evil Has No Boundaries”, “Fight Till Death”, “Black Magic”, “The Final Command”  e a própria faixa título me levaram a loucura e a uma paixão imediata pela banda. Fora isso, as poucas imagens e raríssimos vídeos que se tinha acesso na época (lembre-se que não havia Internet...) mostravam uma banda com um visual agressivo – Kerry King e aquele monte de pregos e tachas era algo absurdo de inovador – o que completava o pacote e simplesmente seduzia quem começava a descobrir aquele som mais extremo.

Mas foi com “Hell Awaits”, em 1985, que tive a confirmação de ninguém seria maior do que o Slayer dentro do Thrash Metal. O mesmo amigo que comprou o piratão do “Show No Mercy” conseguiu comprar o HA importado. Ouvir pela primeira vez a introdução de “Hell Awaits” e aquela marcação de ritmo espetacular foi algo indescritível, impensável para a época, mostrando a banda era realmente diferenciada. Quando tive a oportunidade de assistir ao vídeo “Ultimate Revenge” (o famoso Studio 54) e ver a música ao vivo, quase enfartei. Era espetacular ao extremo ver uma banda afiada e que era pura agressividade no palco. Isso sem mencionar Dave Lombardo, que já dava sinais do baterista monstruoso que se consagraria no futuro. Daí para a frente a coisa só piorou (no bom sentido), pois aí o maior disco de Thrash Metal já lançado na história da humanidade, “Reign in Blood”, definiu os rumos do estilo a consolidou o Slayer como nome absoluto dentro Metal mundial.

Mas o curioso, ao meu ver, é que mesmo ao longo dos anos, com eventuais altos e baixos, a banda nunca mudou de estilo ou seguiu modas e tendências. Apesar de “Diabolus in Musica” ser um disco acusado de ser muito influenciado pelo New Metal regente à época de seu lançamento, ao meu ver trata-se apenas de um disco pouco inspirado e com produção não tão boa quanto às anteriores. A banda continuou pesada e sem concessões, e se manteve inclusive ao longo da década de 90 quando do domínio do Grunge se consolidou e conseguiu derrubar grandes bandas do mainstream. Até mesmo as mudanças na formação foram curiosas na carreira da banda, haja visto que perder um baterista como Dave Lombardo não foi o fim do mundo, pelo menos para o próprio Slayer. Sem contar Tony Scaglione (Whiplash) e John Dette (Testament, entre outras), substitutos que não chegaram a esquentar o banco, a banda conseguiu em Paul Bostaph (ex-Forbidden) um baterista à altura de Lombardo e manteve o alto nível de importância do instrumento no som da banda.


Mas, mesmo consolidando em 2018 os 35 anos de carreira, 11 albuns de estúdio, 2 ao vivo e inúmeros outros lançamentos (EP´s, DVD´s, Box Set, Coletâneas e etc.), a banda já em 2009 tinha atingido, pelo menos para mim, o ponto em que deveria ter começado a considerar em parar, quando do lançamento do álbum “World Painted Blood”. Hoje tenho três razões básicas que, gradativamente cronológicas, reforçaram este meu pensamento inicial.
A primeira, o fato de WPB ser o segundo álbum seguido após o retorno de Dave Lombardo a banda 2001, após 10 anos afastado. O Slayer já havia lançado o excelente “Christ Illusion” em 2006 e manteve o nível neste álbum seguinte, o que foi ótimo, mostrando que a formação original continuava afiada. Entretanto, os mais de 25 anos de banda à época certamente iriam começar a cobrar seu preço mediante a idade dos músicos e o estilo de música executado. Meu pensamento era que a banda acabasse por cima, tanto em cima do palco (antes que começassem performances meia boca), como pelos seus lançamentos, e os dois últimos álbuns representaram um ressurgimento frente a fase menos inspirada da dobradinha “Diabolus In Musica” (1998) + “God Hates Us All” (2001), meus dois álbuns menos favoritos na discografia da banda. Além disso, banda participou do “Big Four”, que também foi sensacional de se ver, pois foi uma tour de extremo sucesso ao lado de Metallica, Anthrax e Megadeth.


A segunda e mais forte razão, foi o problema de necrose do braço de Jeff Hanneman em 2011 e seu posterior falecimento em 02/05/2013. Desde que ele precisou se afastar, comecei a me questionar se seria uma atitude prudente da banda em continuar. É claro que é necessário se considerar uma série de fatores aí, principalmente que muitas bandas de Metal são empresas, têm compromissos, muita gente e dinheiro envolvidos, e não podem simplesmente parar de uma hora para outra. Baseado nisso, entendi que alguém deveria ajuda-los e continuar até que Jeff voltasse. Como tudo no Slayer sempre foi surreal, até essa substituição não poderia ter sido mais estupenda: Gary Holt do Exodus. Acho que ninguém mais no mundo puderia fazer isso, não só pelo puta guitarrista de Thrash que Holt é, mas também pela história do Exodus que se cruza com o Slayer desde o início. Holt sempre foi amigo da banda e foi uma escolha natural e perfeita. Mas a morte de Hanneman trouxe duas questões óbvias: a banda vai continuar mesmo assim? Holt aceitará deixar o Exodus para ficar no Slayer? Novamente pensei que seria melhor parar.

A terceira razão era o meu temor da banda fazer novos álbuns. Depois de 2 lançamentos excelentes, como fazer um novo disco com a banda novamente desfalcada? E pior, desta vez de dois membros originais: Jeff falecera em Maio e Lombardo já havia saído em Fevereiro do mesmo ano, agora despedido por King e Araya, em função de desentendimentos financeiros. Mesmo com Hanneman ainda em vida não eram poucos os rumores de um novo álbum da banda. Questionava-se muito se ele participaria do disco ou se teria material que fosse ser utilizado, mas nada de concreto foi comunicado. Depois de sua morte, a banda manteve Holt e trouxe de volta Paul Bostaph para as baquetas. Com esta formação sólida, foi confirmado que haveria um novo álbum. King alegou que teria sozinho material suficiente para isso, tanto que quando o disco (“Repentless”, de 2015) foi lançado, apenas uma música continha material deixado por Hanneman. “Repentless”, não é um disco ruim, pelo contrário, mas deixa aquela sensação de que poderia ter sido melhor trabalhado, mostrando que a contribuição de Jeff fez falta.

Com o anúncio da turnê de despedida, fico triste e feliz ao mesmo tempo. A banda já confirmou que não haverá um novo álbum, o que permitirá deixar um legado imaculado, uma vez que poderia haver chance do nível cair, e o último álbum foi a prova disso. Quanto ao futuro, é difícil dizer, mas arrisco que King deve continuar de algum modo, com alguma coisa similar ao Slayer, como ele já mesmo disse; Tom vai se aposentar, pois não é de hoje que vem reclamando das viagens constantes e distância da família, isso sem mencionar as costas que já não o possibilitam o esforço do passado; Holt volta com certeza ao Exodus e Bostaph, se não seguir com King, volta ao mercado como músico contratado.


Felizmente, ao vivo, o Slayer continua destruidor, e renovado pela presença de Holt e Bostaph, com certeza vai fazer uma tour inesquecível. Se forem coerentes, realmente irão parar e não fazer como o Kiss, Scorpions ou Ozzy que volta e meia anunciam despedidas que nunca vêm. Vão deixar na memória dos fãs a grande banda que sempre foram, com um legado tão poderoso e intenso quanto a sua carreira sempre foi. Mas vão fazer falta...       



sexta-feira, 16 de março de 2018

Regravações: Homenagem ou Risco?


Com  o lançamento do 2º álbum de regravações do Destruction (“Thrash Anthens II”), a banda novamente mexe com um assunto polêmico e que já deu o que falar no primeiro álbum: revisar um passado intocável, com novas versões para clássicos consagrados. Na época do 1º lançamento, o baixista e vocalista Schmier chegou se irritar em algumas entrevistas quando questionado da validade desta regravações, coisa que os fãs puritanos não gostaram. Lembro-me que ele chegou ao ponto de dizer algo do tipo “As músicas são minhas e eu faço com elas o que quiser! Quem não gostar, que ouça as versões antigas!”. Errado ele não está, mas algo que muitos músicos tentam ignorar é que a carreira da banda é o que é por conta dos fãs, e se eles não gostam de algo desse tipo, também estão no seu direito... Entretanto, o que gostaria de discutir aqui não é somente o caso do Destruction, pois, afinal de contas, uma enormidade de músicos e bandas já fizeram isso, e curiosamente uns se deram muito mal, mas outros se saíram muitíssimo bem, com resultados tão bons ou até melhores que os originais.

No caso do Destruction, o efeito negativo foi duplo: além das novas versões não fazerem jus às originais – não por serem ruins ou mal executadas, longe disso, mas a pegada da banda hoje é bem diferente de 30 anos atrás - temos também a questão das produções em si dos discos originais. No caso do Destruction em particular, os 3 albuns que são a fonte de maior parte  destas regravações (“Sentence of Death”(EP), “Infernal Overkill” e “Eternal Devastation”) são discos que têm produções únicas, que apesar de não terem sido primorosas, forjaram as músicas de maneira espetacular, ajudando a moldá-las como os clássicos que se tornaram. No caso do álbum “Eternal Devastation”, por exemplo, ninguém até hoje conseguiu reproduzir o timbre de guitarra obtido no disco, o que demonstra bem o desafio da banda em regravar estas faixas nos dias de hoje. Além disso, há um agravante: de uns anos para cá, os álbuns da banda padecem do mal gerado pelo uso do Pro Tools em excesso, com produções saturadas de polidas a perfeitas demais, que deixaram o som artificial, sem peso e sujeira característicos do estilo.

Outro que se deu mal ao fazer isso também foi o também germânico Sodom. O álbum “The Final Sign of Evil” teima em refazer o imortal EP “In the Sign of Evil”, e o resultado é bem fraco. Tal qual o Destruction, a produção era impossível de ser copiada, isso sem mencionar que ela era muito boa, com todos os instrumentos maravilhosamente nítidos e claros, mas com um peso monumental. Outro detalhe era um certo Chris “Witchhunter” na bateria, que simplesmente estava inspiradíssimo e destruiu tudo do início ao fim do disco, coisa que se perdeu na regravação, apesar desse mesmo músico ter participado deste novo projeto. Os arranjos mudaram e as músicas se desfiguraram, sendo que a única coisa que salvou o disco foram as faixas inéditas, resgatadas de demos da mesma época.

A coisa simplesmente piora quando músicos, que não os originais, encabeçam a empreitada: os Canadenses do Exciter conseguiram um belíssimo tiro no pé ao lançar “New Testament”, com uma formação que, de original, só tinha o guitarrista John Ricci. Das 15 faixas, 10 eram oriundas dos álbuns clássicos “Heavy Metal Maniac”, “Violence and Force” e “Long Live the Loud”, e que ficaram descaracterizadas sem os vocais do sensacional Dan Beehler. Apesar de bem feito, fica a sensação de que tudo não passa de um grandíssimo “cover” do material clássico do Exciter feito por uma outra banda.   



Mas há quem tenha se dado bem nessa empreitada, mesmo contando com outro vocalista que não o das gravações originais. O Anthrax conseguiu esse feito mesmo com Joey Belladonna longe da banda e tendo o igualmente sensacional John Bush nos vocais. “The Greater of Two Evils” conta com material dos cinco primeiros álbuns da banda (“Fistfull of Metal”, “Spreading the Disease”, “Among the Living”, “State of Euphoria” e “Persistence of Time”) e pôs Bush na difícil situação de cantar material de 2 vocalistas diferentes, pois Belladona assumiu o microfone do Anthrax somente a partir do segundo disco, sendo Neil Turbin a voz do álbum de estréia, saindo logo depois. E o resultado é muito, mas muito bom, não somente pela pegada da banda que manteve o espírito dos registros originais, mas pela voz de Bush que caiu como uma luva no “novo” material. 


Outro que também se deu bem foi o Testament com “The First Strike Still Deadly”. Confesso que não sei exatamente a razão da banda regravar faixas somente dos dois primeiros discos, “The Legacy” e “The New Order” (direitos autorias, será? Ambos saíram pela Megaforce, gravadora responsável pelos lançamentos à época). Apesar da mudança da formação clássica – Loue Clemente não estava mais nas baquetas, posto assumido interinamente por John Tempesta – a banda conseguiu tonar mais visceral faixas que já eram excelentes, talvez por reproduzir o pique que já davam a este material mais antigo ao vivo. A questão que o disco é excelente e faz frente ás versões originais.

Para fechar, um caso esquisito e que me deixa indeciso é o do Exodus, que resolveu fazer a releitura do mega/ultra/clássico “Bonded by Blood”, de 1985. O resultado foi “Let There Be Blood”, que ainda trazia de bônus a faixa “Hells Breath”, conhecida apenas de demos antigas da banda. O problema é que a quantidade de prós e contras era grande, e por isso o resultado ficou 50/50. O contra principal era o fato de regravar um clássico absoluto, um dos pilares do Thrash Metal Bay Area, fruto da mesma safra de “Kill Em All”, “Show No Mercy” e “Fistfull of Metal”, por exemplo. Além disso, o falecido e icônico Paul Balloff imortalizou as vozes desse álbum, isso sem mencionar o fato de ter sido um frontman único e perfeito para o perfil do grupo. Como Balloff morreu, obviamente outro vocalista regravou o álbum, e este foi Rob Dukes. O detalhe é que Dukes tinha um perfil vocal mais gritado/berrado, um pouco diferente de Balloff. Apesar do seu esforço em seguir as linhas originais e o tom de Balloff, é inegável que os vocalistas são distintos. E por fim, outro detalhe é que a produção do álbum original era muito boa, não havendo nenhuma necessidade, no aspecto técnico, de regravar o disco em função desse quesito.    

Mas o disco ficou bom? Sim, ficou. O instrumental é monstruoso, mesmo contando apenas com dois membros da gravação original (Gary Holt e Tom Hunting, guitarra e bateria, respectivamente), a banda em si é extremamente fiel aos arranjos originais, conseguindo um efeito extremamente positivo na produção, que obteve um peso matador (ouça “And Then There Were None” e confirme se não estou certo). Nesse quesito não há o que reclamar, mas os vocais, como dito anteriormente, não são os originais e o perfil de Dukes não é o adequado para esse álbum. A prova disso é que desde sua entrada (após a segunda saída de Zetro Souza, esse sim mais conectado ao trabalho de Balloff) o Exodus direcionou seu Thrash para um estilo mais moderno, onde Dukes se encaixou melhor. No fim das contas, a saudade bate e, entre ouvir este e o original, fico com o original...