Com um atraso inconscientemente proposital, falo aqui do fim
do Slayer. Afinal de contas, esta notícia deixou a mim e a milhões de fãs
tristes pelo mundo, mesmo sendo algo inevitável, como tudo nesta vida.
Entretanto, apesar da tristeza, não serei incoerente, pois já manifestei aqui a
minha vontade de que a banda já tivesse parado tempo atrás. A verdade é que
quando anúncio saiu, doeu mais do que eu imaginei... Mas reafirmo que a decisão
é sábia e a banda sai por cima, ainda como um dos nomes mais violentos dentro
Thrash Metal que ajudou a construir com outros nomes seminais do estilo. Mas é
uma pena, pois mesmo depois de 35 anos, a banda ainda consegue o mesmo efeito
hipnótico no público ao subir no palco e tocar “Raining Blood”, “Hell Awaits”, “Black
Magic”, “South of Heaven”, “War Ensemble”, “Angel of Death”, “Dittohead” e
tantos outros hinos atemporais do estilo único da banda. É aquele negócio:
começou a tocar, você já sabe que é Slayer.
Tive meu primeiro contato com a banda, se não estou enganado,
em 1984. Era a época do famoso “Tape Trading” (troca de fitas K7 com gravações
dos lançamentos à época, que todo mundo copiava de todo mundo), que se era
forte nos EUA e Europa, imagine aqui, onde só se tinha acesso ao era lançado
pelos importados, que eram absurdamente caros. Com isso, o jeito era esperar
alguém comprar o disco e fazer uma cópia em K7. Mas no caso do Slayer, foi
diferente: o debut “Show No Mercy” já havia saído lá fora, mas como no Brasil
absolutamente nada era lançado, consegui ouvi-lo via um piratão tosco em vinyl,
que até hoje não sei quem lançou por aqui: a capa era preta, com o bode e a
logo reduzidos, no verso apenas os nomes das musicas e o disco tinha com um
selo amarelo sem nada escrito (o mesmo aconteceu com “Ride the Lightning” do
Metallica). Quanto a gravação, apesar de obviamente ruim, serviu para
introduzir a violência latente da banda na época, onde ninguém havia alcançado
aquele nível de fúria e velocidade. Músicas como “Evil Has No Boundaries”,
“Fight Till Death”, “Black Magic”, “The Final Command” e a própria faixa título me levaram a loucura
e a uma paixão imediata pela banda. Fora isso, as poucas imagens e raríssimos
vídeos que se tinha acesso na época (lembre-se que não havia Internet...)
mostravam uma banda com um visual agressivo – Kerry King e aquele monte de
pregos e tachas era algo absurdo de inovador – o que completava o pacote e
simplesmente seduzia quem começava a descobrir aquele som mais extremo.
Mas foi com “Hell Awaits”, em 1985, que tive a confirmação
de ninguém seria maior do que o Slayer dentro do Thrash Metal. O mesmo amigo
que comprou o piratão do “Show No Mercy” conseguiu comprar o HA importado.
Ouvir pela primeira vez a introdução de “Hell Awaits” e aquela marcação de
ritmo espetacular foi algo indescritível, impensável para a época, mostrando a
banda era realmente diferenciada. Quando tive a oportunidade de assistir ao
vídeo “Ultimate Revenge” (o famoso Studio 54) e ver a música ao vivo, quase
enfartei. Era espetacular ao extremo ver uma banda afiada e que era pura
agressividade no palco. Isso sem mencionar Dave Lombardo, que já dava sinais do
baterista monstruoso que se consagraria no futuro. Daí para a frente a coisa só
piorou (no bom sentido), pois aí o maior disco de Thrash Metal já lançado na
história da humanidade, “Reign in Blood”, definiu os rumos do estilo a consolidou
o Slayer como nome absoluto dentro Metal mundial.
Mas o curioso, ao meu ver, é que mesmo ao longo dos anos,
com eventuais altos e baixos, a banda nunca mudou de estilo ou seguiu modas e
tendências. Apesar de “Diabolus in Musica” ser um disco acusado de ser muito
influenciado pelo New Metal regente à época de seu lançamento, ao meu ver
trata-se apenas de um disco pouco inspirado e com produção não tão boa quanto
às anteriores. A banda continuou pesada e sem concessões, e se manteve
inclusive ao longo da década de 90 quando do domínio do Grunge se consolidou e
conseguiu derrubar grandes bandas do mainstream. Até mesmo as mudanças na
formação foram curiosas na carreira da banda, haja visto que perder um
baterista como Dave Lombardo não foi o fim do mundo, pelo menos para o próprio
Slayer. Sem contar Tony Scaglione (Whiplash) e John Dette (Testament, entre outras), substitutos que não chegaram a esquentar o banco, a
banda conseguiu em Paul Bostaph (ex-Forbidden) um baterista à altura de
Lombardo e manteve o alto nível de importância do instrumento no som da banda.
Mas, mesmo consolidando em 2018 os 35 anos de carreira, 11
albuns de estúdio, 2 ao vivo e inúmeros outros lançamentos (EP´s, DVD´s, Box
Set, Coletâneas e etc.), a banda já em 2009 tinha atingido, pelo menos para
mim, o ponto em que deveria ter começado a considerar em parar, quando do
lançamento do álbum “World Painted Blood”. Hoje tenho três razões básicas que, gradativamente
cronológicas, reforçaram este meu pensamento inicial.
A primeira, o fato de WPB ser o segundo álbum seguido após o
retorno de Dave Lombardo a banda 2001, após 10 anos afastado. O Slayer já havia
lançado o excelente “Christ Illusion” em 2006 e manteve o nível neste álbum
seguinte, o que foi ótimo, mostrando que a formação original continuava afiada.
Entretanto, os mais de 25 anos de banda à época certamente iriam começar a
cobrar seu preço mediante a idade dos músicos e o estilo de música executado.
Meu pensamento era que a banda acabasse por cima, tanto em cima do palco (antes
que começassem performances meia boca), como pelos seus lançamentos, e os dois
últimos álbuns representaram um ressurgimento frente a fase menos inspirada da
dobradinha “Diabolus In Musica” (1998) + “God Hates Us All” (2001), meus dois
álbuns menos favoritos na discografia da banda. Além disso, banda participou do
“Big Four”, que também foi sensacional de se ver, pois foi uma tour de extremo
sucesso ao lado de Metallica, Anthrax e Megadeth.
A segunda e mais forte razão, foi o problema de necrose do
braço de Jeff Hanneman em 2011 e seu posterior falecimento em 02/05/2013. Desde
que ele precisou se afastar, comecei a me questionar se seria uma atitude
prudente da banda em continuar. É claro que é necessário se considerar uma
série de fatores aí, principalmente que muitas bandas de Metal são empresas,
têm compromissos, muita gente e dinheiro envolvidos, e não podem simplesmente
parar de uma hora para outra. Baseado nisso, entendi que alguém deveria
ajuda-los e continuar até que Jeff voltasse. Como tudo no Slayer sempre foi
surreal, até essa substituição não poderia ter sido mais estupenda: Gary Holt
do Exodus. Acho que ninguém mais no mundo puderia fazer isso, não só pelo puta
guitarrista de Thrash que Holt é, mas também pela história do Exodus que se
cruza com o Slayer desde o início. Holt sempre foi amigo da banda e foi uma
escolha natural e perfeita. Mas a morte de Hanneman trouxe duas questões
óbvias: a banda vai continuar mesmo assim? Holt aceitará deixar o Exodus para
ficar no Slayer? Novamente pensei que seria melhor parar.
A terceira razão era o meu temor da banda fazer novos álbuns.
Depois de 2 lançamentos excelentes, como fazer um novo disco com a banda
novamente desfalcada? E pior, desta vez de dois membros originais: Jeff
falecera em Maio e Lombardo já havia saído em Fevereiro do mesmo ano, agora
despedido por King e Araya, em função de desentendimentos financeiros. Mesmo
com Hanneman ainda em vida não eram poucos os rumores de um novo álbum da
banda. Questionava-se muito se ele participaria do disco ou se teria material
que fosse ser utilizado, mas nada de concreto foi comunicado. Depois de sua
morte, a banda manteve Holt e trouxe de volta Paul Bostaph para as baquetas.
Com esta formação sólida, foi confirmado que haveria um novo álbum. King alegou
que teria sozinho material suficiente para isso, tanto que quando o disco
(“Repentless”, de 2015) foi lançado, apenas uma música continha material
deixado por Hanneman. “Repentless”, não é um disco ruim, pelo contrário, mas
deixa aquela sensação de que poderia ter sido melhor trabalhado, mostrando que
a contribuição de Jeff fez falta.
Com o anúncio da turnê de despedida, fico triste e feliz ao
mesmo tempo. A banda já confirmou que não haverá um novo álbum, o que permitirá
deixar um legado imaculado, uma vez que poderia haver chance do nível cair, e o
último álbum foi a prova disso. Quanto ao futuro, é difícil dizer, mas arrisco
que King deve continuar de algum modo, com alguma coisa similar ao Slayer, como
ele já mesmo disse; Tom vai se aposentar, pois não é de hoje que vem reclamando
das viagens constantes e distância da família, isso sem mencionar as costas que
já não o possibilitam o esforço do passado; Holt volta com certeza ao Exodus e
Bostaph, se não seguir com King, volta ao mercado como músico contratado.
Felizmente, ao vivo, o Slayer continua destruidor, e
renovado pela presença de Holt e Bostaph, com certeza vai fazer uma tour inesquecível.
Se forem coerentes, realmente irão parar e não fazer como o Kiss, Scorpions ou
Ozzy que volta e meia anunciam despedidas que nunca vêm. Vão deixar na memória
dos fãs a grande banda que sempre foram, com um legado tão poderoso e intenso quanto
a sua carreira sempre foi. Mas vão fazer falta...