Decorridos 3 dias desse fato até agora surreal, acredito que
provavelmente nem o próprio André Matos, ainda em vida, tivesse idéia de que
sua morte prematura fosse ter tanto impacto na cena de um modo geral. Uma coisa
é a idade chegar e, com ela, as deficiências e fraquezas da nossa frágil
existência. Outra é partir mais cedo do que o previsto, com toda uma vida pela
frente e toda uma gama de oportunidades. No caso dele, ainda temos o agravante
de que, com apenas 47 anos, já tivesse atrás de si um legado tão imenso e tão importante.
Ao partir cedo demais, como foi o caso dele, é gerada toda uma gama de “E
se...”, relativo ao que poderia ter acontecido no futuro. Obviamente o Angra é
a maior dessas dúvidas, mas quando falo do impacto de sua partida precoce, me
refiro também a outros aspectos.
Não vou repetir aqui a história completa deste músico
excepcional, isso todos conhecem ou têm amplas oportunidades de fazê-lo. André
era um gênio, e como todo gênio tinha algumas peculiaridades. A mais notável
delas, e não era necessário ser amigo próximo dele para saber, era uma
inquietude que se refletia em suas bandas, obviamente por razões diferentes.
Sua carreira musical se iniciou com o Viper, o prodígio de banda que
revolucionou a cena nacional com o
chamado “Power Metal”, com fortíssimas influências de Iron Maiden e Helloween
no primeiro disco (o espetacular “Soldiers of Sunrise”). O segundo (“Theatre of
Fate”), numa evolução espetacular, já começou a moldar a tônica da carreira do
vocalista dali para frente: forte influência clássica, belíssimos arranjos,
vocais em tons altíssimos, tudo isso sem abrir mão do peso. Mas durou pouco,
pois apenas 5 anos depois do seu início André se despedia da banda e iniciava
vôos mais altos com o Angra, mais exatamente em 1991. O projeto que seria o
mais bem sucedido em sua carreira, teve sua alavancada em 1993 com o hoje
clássico “Angels Cry”. Este álbum simplesmente não apenas abriu as portas para
a banda no exterior, mas simultaneamente assombrou a cena brasileira, até então
acostumada ao Thrash/Death oriundo do Eixo BH/Rio/São Paulo, ainda muito
profílico na época. Só para se ter uma idéia Korzus, Sarcófago e Ratos tiveram
lançamentos emblemáticos nesse mesmo ano. Isso sem mencionar o Sepultura, que
começava a dominar a cena internacional com o poderoso “Arise”.
Entretanto,
depois de 8 anos de Angra, uma nova mudança: a banda da vez passou a ser o
Shaman, formada por 3/5 de ex membros do Angra depois de um rompimento gerado
por desentendimentos sobre os rumos empresariais da banda. Com 2 albuns
lançados e um DVD que até hoje é referência de qualidade técnica, o Shaman teve
um sucesso meteórico, abruptamente interrompido pela saída de André, que daí
partiu para a carreira solo. Nesta etapa deu ao mundo 3 excelentes discos,
apesar de uma repercussão menor do que seus trabalhos anteriores.
Ao falecer no último dia 08, André ainda completava o ciclo
de apresentações com o Shaman, cuja formação original havia se reunido em 2018
para alguns shows, num presente aos fãs que tanto pediram por este retorno.
Obviamente que a expectativa também alcançava o Angra, mas nada de concreto
surgiu ou foi cogitado. Reticente com esta volta por anos, André nunca havia
dado esta abertura para uma reunião, até que numa entrevista recente deixou
escapar que seria possível, mas apenas com a formação original presente: fora
isso, não haveria sentido. Por ironia do destino, dias antes de morrer
expressou novamente este desejo, falando mais abertamente que uma volta aos
palcos com os ex companheiros seria que algo que ele gostaria de fazer.
Infelizmente, isso nunca mais será possível.
A partida precoce de André, como mencionei no início desse
texto, deixa alguns impactos significativos, além da óbvia perda do músico e do
ser humano:
O primeiro, o Angra nunca terá sua formação clássica nos
palcos novamente. Os anos de afastamento aprofundaram a distância (Kiko admitiu
em vídeo logo após o falecimento de André que não falava com ele há pelo menos
vinte anos) e as frustradas tentativas de reatar contato (André nunca aceitou
os convites do Angra para festivais ou eventos comemorativos) impediram a banda
de se unir novamente. Tento imaginar o sentimento, principalmente de Rafael e
Kiko, em não terem feito as pazes quando foi possível, embora André também
tenha tido sua cota de culpa nessa situação. Outro detalhe curioso envolvendo o
Angra é que André conseguiu revisar sua história com o Viper e o Shaman,
voltando aos palcos e matando a saudade dos fãs com estas bandas. Só não o fez
com o Angra pelas razões acima.
O segundo recai sobre a combalida cena nacional, que perde agora
mais uma referência de talento e experiência. André e sua influência clássica
foram parâmetros para toda uma gama de bandas, aqui e lá fora, principalmente
na década de 90, onde ajudou a sedimentar o famoso Metal Melódico, que
simplesmente teve um boom nessa época. No Brasil, ajudou a abrir as portas para
o exterior ao somar forças com o Sepultura, Ratos de Porão e Korzus, todos em
franca ascenção nessa época.
O terceiro recai sobre os planos futuros que não se
realizarão, pois além da possível reunião com o Angra, André planejava um novo
disco para o Shaman, além de uma tour no exterior. Planos ambiciosos que
movimentariam muito os fãs antigos e que, com certeza, iriam conquistar muitos
outros novos. Fica o alerta para outro medalhão do Metal nacional, na
mesmíssima situação, o Sepultura. É impossível não fazer a comparação depois do
que aconteceu, uma vez que as figuras centrais, Max e Andreas, também não se
falam há mais de 20 anos.