Não é nenhuma novidade no cenário musical, ainda mais no metálico, o retorno à ativa de bandas ou músicos que já encerraram carreiras e mudaram de idéia, ou então de bandas que reúnem suas formações clássicas (ou quase clássicas) depois de tempos afastados. Vários fatores influenciam estes retornos, sendo que o argumento preferido dos artistas é o clamor dos fãs. Ou seja, seus insistentes pedidos para uma volta (se possível, permanente) fazem com que músicos passem por cima de tudo aquilo que fez a banda se separar e atendam aos anseios do seu público. Paralelamente, a justificativa mais odiada por 10 entre 10 músicos, e que muito dificilmente é admitida por alguém é: o dinheiro falou mais alto. Entretanto, mesmo dependendo da banda e das situações passadas, é sempre isso que acontece.
Lá fora, onde a estrutura e a cena como um todo ainda é muito maior do que aqui no Brasil – embora as coisas hoje aqui tenham evoluído muito frente ao que era nos anos 80 – isso ocorre com muito mais frequência e tem amparo maior de mídia e público. Um caso típico e bem recente é do Helloween, que conseguiu reunir 4/5 da formação clássica dos Keepers (obviamente excluindo apenas o baterista Ingo Schwichtenberg, falecido em 08/03/1995, por suicídio) numa tour que tem feito um sucesso estrondoso e já gerou um single com uma música inédita. Existem muitos outros exemplos de bons resultados: Exciter que reuniu a formação clássica e já planeja um novo álbum; Dark Angel, na ativa desde 2013 com a formação (quase) clássica, excetuando apenas o vocalista Don Doty, estando no seu lugar o seu exato substituto a partir no 3º álbum da banda (“Leave Scars”), Ron Rinehart; Possessed, que apesar de trazer apenas o vocalista original Jeff Becerra e não se enquadrar no perfil dos retornos citados aqui por conta disso, foi um comeback extremamente comemorado em 2007 e já tem um novo álbum prestes a sair.
No Brasil isso também acontece, mas em menor escala. Apesar
de existir a demanda, os custos ainda são um empecilho: afinal, tem de dar
retorno e isso nem sempre é garantido frente ao que é necessário para uma
estrutura profissional mínima. Basta lembrar que aqui no Brasil não temos a
quantidade monstruosa de festivais como na Europa e uma tour pelo país não é
algo fácil de ser fazer. Além disso, temos também o fato de que muitos músicos
retomam suas carreiras profissionais e abandonam a música quando do fim de suas
bandas. Num retorno, conciliar estas agendas nem sempre é fácil. Some-se a isso
a questão de que os novos tempos, onde a Internet impera e gravar um novo álbum
ou um DVD já não é garantia de retorno financeiro. Junte tudo isso e temos qualquer
motivacional bastante abalado para trazer uma banda de volta à ativa.
Entretanto, apesar das dificuldades, tivemos o retorno
recente de 3 grandes nomes do cenário nacional, que foram notórios pela repercussão e tiveram
sucesso em suas empreitadas: Viper, Edu Falaschi/Angra e o Shaman. Apesar de
serem casos distintos, todos de certo modo estão interligados em suas
histórias: para quem não lembra, das fileiras do Viper saiu André Matos para o
Angra; após a saída de Matos, Luis Mariutti e Ricardo Confessori do Angra,
estes criaram o Shaman, sendo que Edu Falaschi foi o substituto de André Matos
no Angra. Curiosidades à parte, estes retornos, mesmo que muito celebrados,
mostram as dificuldades do cenário nacional atual, uma vez que esses retornos
refletem carreiras solo ou com bandas sem igual repercussão.
Isso se aplica muito ao caso de Edu Falaschi, que montou um
projeto com um nome pra lá de pomposo (“Edu Falaschi: Rebirth of Shadows Tour”),
uma vez que Rafael Bittercourt o impediu de usar o termo “The Angra Years” no
nome, e que consiste em tocar músicas dos cinco álbuns do Angra (lançados entre
2001 e 2010) em que participou. Ou seja: nenhum material da fase Andre Matos é
executado. Iniciada em Julho/2017, a tour foi um sucesso pelo Brasil e agora tem
datas marcadas até no Japão para 2018. Apesar de reunir apenas 2 músicos da formação
que gravou os discos envolvidos – o próprio Edu e mais o baterista Aquiles
Priester (Obs: que não participou do álbum “Acqua”) – os fãs não se importaram
e celebraram cada show com os clássicos do Angra, principalmente do fantástico
“Temple of Shadows”.
Quando mencionei a questão de carreiras solo, basta recordar
que Edu, após a saída do Angra, focou sua carreira solo no Almah, banda que já
tinha em paralelo mesmo quando ainda estava na sua banda principal. Mesmo com 5
albuns gravados e aceitação do público, fica óbvio que para todos que o Almah
não é/era páreo para este projeto, muito mais rentável ao relembrar o passado
glorioso do Angra. Vale registrar também que Edu já havia gravado em 2016 um
álbum acústico com 9 faixas, das quais 8 eram de sua fase no Angra. Outro
detalhe muito curioso e que reforça o poder de revisar o passado de sucesso em
detrimento os riscos de uma carreira nova é o fato de que em Maio de 2012 Edu
deixou o Angra e, entre diversas razões, alegou que os altos tons necessários
nas músicas haviam desgastado sua voz. Entretanto, 5 anos depois, cá está ele
cantando as mesmas músicas... Para fechar com chave de ouro, acaba de ser
divulgado o lançamento de um single com duas faixas inéditas, com esta
mesmíssima formação e sob o nome de Edu Falaschi, e não Almah...
Antes de falar do Shaman, é necessário comentar a volta
Viper, mesmo porque um dos protagonistas é comum aos dois casos: André Matos.
Matos e o Viper, bem como o Angra, sempre foram pressionados pelos fãs e pela
mídia para um retorno. Com a carreira solo iniciada em 2007 e com 3 albuns
lançados, André nunca aceitou e nem cogitava estas ofertas. Em paralelo ao
lançamento do álbum do seu último álbum “The Turn of the Lights” (2012), Andre
aceitou se reunir com o Viper para as comemorações dos 25 anos do debut da
banda, o magistral “Soldiers of Surise”. A tour gerou um DVD ao vivo em 2013, e
após seu fim, Andre continuou dando sequência a turnê de divulgação de seu 3º
disco.
Neste caso, a reunião não conseguiu juntar a formação
completa (apenas 3/5 dela) e serviu
apenas paras as comemorações do álbum de estréia. Mas vale salientar que este
projeto teve muito mais repercussão do que a promoção do álbum solo de Matos.
Passados 6 anos de seu lançamento, Matos deu uma sumida de cena até que surgiu
o retorno do Shaman.
E finalmente o Shaman, que lançou apenas dois álbuns de
estúdio (2002 e 2005) e um ao vivo (2003) em sua carreira meteórica, retorna com a formação original e apenas – a
princípio – para um único show. Entretanto, esta data rapidamente esgotou
ingressos e uma data adicional foi marcada, que também esgotou e por aí vai...
Começando em Setembro, a tour já tem 5 datas marcadas.
É óbvio que o sucesso do Viper, mesmo com uma reunião
temporária e sem nenhum material inédito gerado, deu a André Matos a noção do
poderio deste tipo de empreitada. Com o Shaman, a repercussão tende a ser ainda
maior, pois a banda nasceu e se desenvolveu numa época muito melhor em termos
de estrutura e exposição (os dois álbuns do Viper com Matos saíram em 1987 e
1989, quando as coisas no Brasil ainda não eram tão profissionais assim). Entretanto,
ambas as bandas tiveram carreiras mais focadas no Brasil: o Viper pela época e
falta de estrutura em alçar vôos mais altos; o Shaman simplesmente porque não
deu tempo, com a banda surgindo, fazendo muito sucesso e logo depois se separando.
Foco meu comentário em André Matos por uma razão muito
simples: se tanto Viper e Shaman tiveram carreiras mais focadas no Brasil, o
Angra teve uma carreira internacional de absoluto sucesso. E por que falo isso?
Porque Matos, depois de anos e anos de resistência, deu declaração de que uma
reunião com o Angra seria possível, desde que com a formação original... Quem lembra dos motivos da separação de banda
viu que os problemas de empresariamento e as diferenças com Kiko e Rafael (que acabaram
ficando sozinhos na banda na época) geraram mágoas a tal ponto que André sempre
refutou qualquer chance de voltar.
Não quero dizer que dinheiro seja tudo e os músicos sejam
cegos em trocar o certo pelo duvidoso. Ainda que o sucesso do Shamam seja
estrondoso e aumente mais ainda a pressão pela volta do Angra com a formação
original, é óbvio que temos dois entraves sérios a considerar. O primeiro, Kiko
vai muito bem no Megadeth, e de todos os guitarristas contratados pelo Dave
Mustaine até hoje, Kiko aparenta ser o que mais se entrosou, até a nível
pessoal, com o patrão. O Megadeth é muito maior que o Angra em termos mundiais, e
talvez esteja longe o dia em que ele queira sair da banda ou então que o patrão
o faça; o segundo, o bom momento do Angra, com disco novo na praça (“OMNI”) ,
novo DVD no forno e uma extensa turnê internacional por vir. Mesmo com Fabio
Lione ainda dividindo opiniões, é de fato um grande cantor e já se desligou dos
seus maiores projetos em paralelo (Rhapsody e Vision Divine) e se dedica apenas
ao Angra hoje. Mas é claro que, se milagres acontecerem, Fabio Lione, Felipe
Andreolli e Bruno Valverde que se cuidem...