sábado, 25 de fevereiro de 2017
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017
MetalliGaga
Lembro-me bem de quando assisti no
Rock in Rio de 2013 a apresentação do Sepultura com o Zé Ramalho. Seria o
encontro da maior banda de Metal brasileira com um dos grandes nomes da MPB, em
especial da música Nordestina. Lembro-me também de que as opiniões se
dividiram, com um lado achando a oitava maravilha do mundo unir Metal e MPB, e o
outro achando que era o mesmo que comer Feijoada com Doce de leite. A segunda
opinião me pareceu mais coerente, sendo que imaginava que nunca veria outra
versão dessa culinária esquisita novamente.
O prato em questão, ou melhor, a apresentação em questão
trouxe o Metallica junto de Lady Gaga. O encontro, ocorrido em 12/02 no Grammy
2017, trouxe consigo toda a polêmica que uma parceria desse porte poderia
gerar. Ainda que o Metallica já tivesse esgotado sua cota com o controverso
“Lulu”, fruto da união com o falecido Lou Reed, ao dividir o palco com uma diva
Pop/Dance/Estilista/Marketeira como Gaga, fatalmente o dilema estaria colocado:
a água do Metal se mistura com o óleo do Pop? Antes de mais nada, a banda
executou “Moth Into Flame”, com Gaga dividindo - literalmente - o microfone com
James, já que este, numa inacreditável falha para um evento do porte do Grammy,
ficou com o seu sem funcionar quase metade da música. A apresentação teve
labaredas pelo palco, bailarinos “bangeando” (?), a banda fazendo o de sempre e
uma Lady Gaga se esforçando na atitude Rock n´Roll. A qualidade do que se viu é
duvidosa, mas tenho convicção de que coisas desse tipo nada acrescentam a banda
ou ao estilo, e foi benéfica única e exclusivamente para Gaga, ao mante-la em
evidência na mídia. Como a época das vacas gordas para ela já passou, juntando
isto aqui com a recente apresentação no intervalo do Super Bowl, deu para todo
mundo lembrar que ela existe.
Essas parcerias inusitadas não são novidade na música em
geral, principalmente em eventos gigantescos como Grammy ou MTV Awards.
Entretanto, quando envolve Heavy Metal, a coisa complica, como no caso do
“Zépultura”, citado no início do texto. É notório que o radicalismo dos fãs
ainda existe, embora hoje a mentalidade geral seja muito diferente de 30 anos
atrás. Na década de 80, se instalaria uma guerra civil se algo desse tipo
ocorresse. Lembro quando o Anthrax se juntou com o Public Enemy em 1991 para
gravar a música “Bring the Noise”, foi um Deus nos acuda, onde só faltou
chamarem o Papa para excomungar a banda. E olha que a música ainda tem um apelo
Thrash, com o Rap predominando basicamente nas linhas vocais. Acontece que
determinadas misturas dão certo, e o caso do Anthrax, além de excepcional, foi
até premonitório, pois tempos depois a união Metal + Hip Hop ainda renderia
muitos bons frutos.
Apesar do caso do Metallica ter sido apenas uma apresentação
ao vivo em conjunto, a polêmica da validade deste encontro começou forte na
rede. Já li comentários a favor, comentários contra, numa discussão que parece
não ter fim, como era de se esperar. Da parte dos comentários contrários, onde
me incluo – já disse acima que isso não acrescenta absolutamente nada para a
banda que faz isso – essa resistência vem daqueles fãs mais antigos e,
consequentemente, puristas. Lembro da época que o movimento Thrash começava a
ferventar e os nomes seminais do estilo ainda engatinhavam suas carreiras:
Slayer, Exodus, Kreator, Dark Angel, Sodom, Destruction, Overkill e muitos mais,
com uma cena underground em rápida evolução. Para quem acompanhou esse
processo, é extremamente difícil visualizar bandas dessa época se aventurarem
da maneira que o Metallica eventualmente faz hoje. A questão é que elas,
mercadologicamente falando, se encontram num patamar abaixo do Metallica, o que
possibilita que elas mantenham intactas suas inspirações musicais, seu estilo,
suas convicções e etc.. Talvez esse seja o grande trunfo dessas bandas: o fato
de não terem atingido o topo da pirâmide como o Metallica fez, as permitiu
manterem seu espírito do início de carreira. Isto possibilitou que elas e todas
as outras que seguissem de maneira linear, lançando álbuns com regularidade de
tempo e qualidade, enquanto o Metallica se dá ao direito de levar 8 anos entre
um disco e outro, só ganhando dinheiro com turnês em cima de turnês. O
mainstream e os rios de dinheiro que giram em torno da banda dão a ela conforto
e a oportunidade de determinados luxos e excentricidades, como esse de tocar
com Lady Gaga. É o tal momento em que o artista pode fazer o que lhe der na
telha, pois dinheiro de sobra já há na conta bancária.
Outro detalhe é que parcerias são coerentes quando feitas
com uma ligação lógica, uma conexão que faça sentido. No mesmo Rock in Rio do
“Zépultura” tivemos os gigantes do brutal Death Metal Krisiun com os reis do
Thrash Alemão Destruction. Na edição de 2015 tivemos Ministry (um dos
principais nomes do Metal Industrial) com Burton C Bell (vocal do Fear Factory,
outro grande nome do mesmo estilo) no mesmo palco, num encontro de gerações
diferentes. Agora, dizer que Metallica + Lady Gaga é revigorante, ainda mais
porque um nada tem haver com o outro, é contrassenso. O que se viu naquele
palco foi uma banda de rock, tocando rock, com uma cantora pop fingindo ser
rockeira: cadê a conectividade? Não há nenhuma, mas há o Marketing. O encontro (extremamente)
inusitado chamou a atenção de todos e isso é o que conta, ainda que Gaga tenha
se beneficiado mais, por razões já citadas aqui. Ao Metallica restou mais as
críticas dos detratores (apesar de muitos defenderem também) e os problemas
técnicos ao longo da apresentação. Coroando essa “vergonha alheia” (vi essa
expressão muito bem colocada em um dos diversos comentários negativos na
Internet), ainda tivemos Lars Ulrich, numa das entrevistas pós apresentação,
dizer que Gaga poderia ser efetivada como 5º membro da banda: ainda estou
tentando me decidir se foi ironia (creio que não, pois foi DELE essa idéia
brilhante), se uma brincadeira de mau gosto com os fãs ou se foi Marketing
barato mesmo.
Independente da resposta, é por essas e outras que o
Metallica não me enche mais os olhos hoje. Se for para ficar vendo coisas como
“Metalligaga” (ou “Gagallica”?) por aí, prefiro pegar meus discos antigos para
ouvir, pois o Metal que brilhava naquela época era outro: o do estilo musical,
não o do dinheiro.
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